Nasci numa família com ligações ao Alentejo. Por isso, os
sabores daquela província, que se estende por quatro distritos, são-me
familiares. Os meus primos têm oliveiras e as azeitonas iam para um bom lagar,
com a certeza de que o óleo que levavam provinha das suas azeitonas.
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Muito bom azeite faziam os meus primos. A revolução nos
lagares – necessária, devido à poluição das águas ruças – causou o encerramento
dalgumas unidades de transformação, entre as quais o lagar onde os meus primos
mandavam fazer azeite.
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A família urbanizou-se e o «possível» é num lagar em que vai
tudo ao molho, entregam-se X toneladas ou quilogramas de azeitonas e recebe-se Y
de azeite. Pois, o belo azeite dos primos foi-se...
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A minha geração tem os pais oriundos do campo. Todos com
parentela com uma leira e quatro ou cinco oliveiras. O cheiro – às vezes fedor –
desses azeites fazia-me confusão. O que era aquilo? Hoje sei o que é, na
infância e juventude não percebia.
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Coincidentemente, nenhum dos camaradinhas tinha família no
Alentejo, pelo que a minha justificação provável é que se tratava de
regionalismo. O primeiro azeite comercial pelo qual me apaixonei era (é) do Alentejo
e «tal e qual» o dos meus primos... a teoria batia certo, as azeitonas do
Alentejo dão melhor azeite.
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Mentira – percebi depois. E lembro-me do prazer que me deu o
primeiro azeite bom que não era do Alentejo – da Cooperativa de Freixo de
Numão, colheita de 2004 e que vencera um prémio no Concurso Mario Solinas, do
Conselho Oleícola Internacional, as olimpíadas.
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Felizmente, hoje há muitos produtores apostados na qualidade,
desde os azeites de ourivesaria aos mais industriais. Quem quiser comprar um
bom azeite encontra-o com facilidade – no vinho é muitíssimo mais notório, mas a
revolução foi anterior.
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Tenho dois azeites para comentar há meses – perdoem-me os
olivicultores pela demora na publicação da crónica – que são exemplos do que de
melhor se faz no país. Tal como no vinho, não faço sentenças acerca da relação
entre a qualidade e o preço. Penso que são acessíveis às bolsas da classe média
(a que vai resistindo) e às possibilidades financeiras (via prioridades) dos gastrónomos.
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Tenho muito mais dificuldade em escrever sobre azeite do que
sobre vinho, embora ambos sejam sagrados nas culturas mediterrânicas. A
dificuldade que encontro – preconceito ou incompetência – é o azeite ser
«apenas» sumo de azeitona e o vinho ser mais complexo.
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Isso é factual, mas classificar dessa forma tão redutora seria
até falta de educação.
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A qualidade ou o seu reconhecimento não se escreve a metro.
Tudo na vida tem um nascimento, um tempo, uma história, um estatuto... a ideia
de que o azeite (ou outra coisa) do produtor pequenino é que é bom é tão verdade
como mentira. Tal como se aplica ao grande produtor.
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Tal como as azeitonas virem dum olival velho e pouco
produtivo ou dum moderno e cultivado em sebe. Muito não significa mau...
repare-se no exemplo dos vinhos de Champanhe. Casas importantes comercializam
centenas de milhares de garrafas de espumante de grande qualidade. O Ti Zé faz
30 litros de azeite e o sumo fede.
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Hoje já está com a alguma divulgação a função que cada
azeite desempenha na comida, se para fritos ou se para temperos em cru.
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Qualidade, raridade e reputação fazem preços – criam mitos.
Não entrando na questão dos preços, peço que atentem ao valor pedido por uma
garrafinha de azeite da Quinta do Noval, onde o negócio é vinho.
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Os dois azeites que justificam este texto têm em comum serem
produtos de empresas agrícolas. Digo empresas, porque são geridas de forma
muito profissional, têm uma dimensão considerável no nosso mundo rural, e sabem
bem o que fazem.
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O primeiro vem de Estremoz e fez-se com azeitonas das
cultivares cobrançosa, galega e picual – árvores com raízes enfiadas em solo de
xisto. Ao contrário do que era (é) hábito, estes frutos foram colhidos cedo,
tendo em atenção à frescura e características organolépticas pretendidas.
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O azeite Oliveira Ramos Premium Virgem Extra 2013 é a prova
que numa mesma província há diferenças. Não lhe reconheço os aroma e sabor do
azeite dos meus primos. Encontro uma frescura vegetal e um certo picante. O produtor
é João Portugal Ramos.
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O outro azeite é também delicioso. Foi produzido a partir de
azeitonas das cultivares frantoio e moraiolo. O produtor é a Quinta da Lagoalva
de Cima, junto a Alpiarça. Ora, que bizarria é esta de fazer azeite com variedades
italianas?
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A Quinta da Lagoalva de Cima pertence à família dos duques
de Palmela e, através do ramo Holstein, está ligada à Casa
Real da Dinamarca. Em Itália, os Holstein tinham propriedades e de lá, do Piemonte, trouxeram oliveiras e uma tinta com um tom verde lindíssimo, que se mantém como tradição familiar nas
paredes das casas.
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Estas oliveiras, com mais de 200 anos, dão um azeite
diferente... como explicar?! São apanhadas cedo, ao modo italiano, e o seu sumo é
muito fresco e aromático, um embaixador do Piemonte e da Toscânia.
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No programa «Da Terra Ao Mar», da RTP 2, visitei a Quinta da
Lagoalva de Cima em reportagem acerca do azeite destas duas variedades
italianas. O embate foi histórico – quem viu o início entrevista não se esquece
da resposta à primeira pergunta que coloquei a Manuel Campilho, que é dono e
patrão da Quinta da Lagoalva de Cima. Fiquei amigo.
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