sábado, setembro 30, 2017

Monte da Ravasqueira Vinha das Romãs 2014

Queira-se ou desqueira-se, somos condicionados pela meteorologia. Aproxima-se tempo fresco – espero que bem molhado, a terra precisa – e o corpo dá sinais de preferência por comida mais enfartante e vinhos mais substanciais.
.
Apresentado em Março – em claro contraciclo do que é hábito, em que se apresentam as novidades para o Verão – o Vinha das Romãs 2014 começa agora a fazer sentido. Não digo isto para me justificar pela demora na escritura desta crónica.
.
É um vinho com estrutura e acidez, ideal para quando se deixa o frescor ou o frio do outro lado da vidraça e se põem à mesa aquelas coisas que nos engordam. Perdura nos sentidos.
.
Não há vitivinicultor que não diga que tem, pelo menos, um terroir na sua propriedade. Não há produtor alentejano que não garanta que a sua parcela é um outro Alentejo. Às vezes é verdade.
.
A altitude, a composição do solo e a orientação natural conferem a esta propriedade, situada no concelho de Arraiolos, diferenças. O espaço da vinha das romãs – assim nomeada por nesse sítio ter havido um pomar de romaneiras – é singular dentro do mesmo domínio.
.
O Vinha das Romãs 2014 é um lote de duas das minhas castas tintas preferidas, a syrah e a touriga francesa. Todo estagiou 20 meses em barricas novas de carvalho francês.
.
Tem vida pela frente.
.
.
.
Origem: Regional Alentejano
Produtor: Monte da Ravasqueira
Nota: 8/10
.
.
.
Nota: Este vinho foi enviado para prova pelo produtor.

sexta-feira, setembro 29, 2017

Santa Vitória Branco 2016 + Inevitável 2015

Por vezes surpreendo-me com as certezas. Certamente por desatenção e alguma preguiça – na vida e no vinho. Quando me esqueço, fica algo por questionar. Felizmente tenho memória e constato esta falha.
.
Vítimas disso são os vinhos Santa Vitória. Há sempre uma razão para as coisas, mesmo que seja inconsciente. Talvez aqui seja porque o meu sentido estético se estatela na roupagem das garrafas. Sim, penso que como todos, os meus olhos comem.
.
Há uns meses fui almoçar ao Palácio dos Arcos, hotel do grupo Vila Galé, que é igualmente o produtor dos vinhos Santa Vitória. É uma unidade hoteleira de charme, com património bem cuidado e banhada pelo Sol e pelo seu reflexo na água de Entre-o-Tejo-o-Mar, cujo azul enche a alma.
.
Aqui divide-se o texto. Agora está o vinho e, para lá, a história da casa.
.
Serviram-me o Santa Vitória Branco 2016 e o tinto Inevitável 2015. Se o primeiro não encaixa completamente no meu gosto – não me refiro à qualidade – o segundo veio fundo. A responsabilidade enológica é de Patrícia Peixoto e consultadoria de Bernardo Cabral.
.
Com bastantes notas tropicais, Santa Vitória Branco 2016 mostra-se fresco na boca. É resultado da junção de arinto e verdelho e não fez qualquer estágio em madeira.
.
O Inevitável 2015 enche a boca e demora-se. Nele se notam os frutos vermelhos e compota da touriga nacional alentejana e o chocolate preto e ameixas em passa do syrah – variedades em partes iguais no lote.
.
Quando anda muita gente a desdenhar a madeira, com exuberantes elogios à fruta e à flor – quantas vezes a razão é prosaica e respeita a euros de poupança – aqui houve um estágio de 14 meses em barrica e não retórica. Não sendo caruncho, gosto de madeira e as frutinhas e as florzinhas enfadam-me frequentemente.
.
.
.
Santa Vitória Branco 2016
.
Origem: Regional Alentejano
Produtor: Santa Vitória
Nota: 6/10
.
.
Inevitável 2015
.
Origem: Regional Alentejano
Produtor: Santa Vitória
Nota: 8/10
.
.
.
.
Não fiz roteiro de todas as casas do país, mas este edifício é dos mais belos que conheço. Tal como a generalidade das casas nobres portuguesas, é um palácio pequeno, em que o estilo arquitectónico lembra várias coisas e todas reconhecíveis na estética nacional.
.
Na história cabem muitas coisas: verdade, equívoco, lenda e mentira. Pelos sítios passam figuras e figurões, gente de carne e fantasmas. Pelas casas antigas passaram sempre reis, fidalgos caídos em desgraça, burguesia de mérito e paisanos famosos.
.
Diz-se que o Palácio dos Arcos se tornou Paço dos Arcos. Por este paço – designação dos palácios onde pernoitou um monarca – anda a personagem de Dom Manuel I, possivelmente o primeiro monarca que ali se deitou.
.
Contam que as caravelas e naus dali partiam para o mar-oceano. Há quem acrescente que O Venturoso ali se quedava para as ver afastar. Como se não lhe bastassem as vistas de Belém e Restelo e a marinhagem preferisse afastar-se mais de Lisboa. Parecem-me tão plausíveis quanto o Castelo de São Jorge ter tido as muralhas pintadas de vermelho.
.
Conta-se que, a dado momento, a casa acumulou uma nomeação pleonástica: Palácio do Paço ou Paço do Palácio… uma das coisas. Situado na freguesia – e vila – de Paço de Arcos, parece-me muito crível que o edifício tenha dado o nome à terra.
.
Erguido no século XV, foi mexido, remexido ou reerguido no século XVIII, consequência do terramoto e maremoto de 1755. Sinceramente, os meus olhos ainda lhe lêem o pitoresco do renascimento português, mas igualmente as pedras pombalinas.
.
Com tanta idade, é natural que tenha tido muitos donos. Antão Martins foi quem o ergueu. Foi Capitão donatário da Vila da Praia, nos Açores, o que significava, à época, elevado estatuto. Não encontrei – nem me esforcei – o rasto dos seus proprietários, até chegar a Dona Teresa Eufrásia de Meneses.
.
Visto a senhora não ter deixado descendência, ofereceu a casa e o seu Morgadio de Paço de Arcos ao amigo Dom Jorge Henriques, sexto senhor de Alcáçovas – família que, na pessoa do 14º senhor, recebeu o título condal, em 1834.
.
A casa talvez tenha um feitiço, pois regularmente aconteceu fim de descendência, passando para parentes. A última beneficiada foi a família do Conde de Arrochela e Conde de Castelo de Paiva. Em 2001, a Câmara Municipal de Oeiras tomou a sua posse. Em 2013 tornou-se em hotel, após obras de reabilitação.
.
O que tem isto a ver com o vinho? Sem pessoas e lugares não há narrativa. Sem história, a vida é mais pobre. Tal como se lhe faltar o vinho.
.

Bastardinho de Azeitão 40 anos

Bonito por fora e por dentro, é um dos melhores vinhos que alguma vez provei. Confirma – mais além – a mercê da fama antiga. Atesta que em Portugal nem só no Douro e na Madeira se fazem obras de classe mundial.
.
O Bastardinho de Azeitão 40 Anos é o último suspiro. Não há mais que conte dos tempos. A última vinha foi arrancada na década de 80 do século passado e, muito mais tarde, foi plantada uma nova, pela firma José Maria da Fonseca.
.
Felizmente, mais produtores plantaram a casta bastardo – a trousseau – e agora há a espera. Uns vinhos virão mais cedo e outros vão demorar-se. Todavia, só dentro de 40 anos haverá para comparar com este que agora se finou.
.
Na verdade, é ainda mais. O número 40 engana. Na verdade, este vinho é uma mistura de diferentes colheitas, entre os 40 e os 80 anos. Apenas 2.300 litros em garrafas de meio litro.
.
O que define este vinho? Tanto e tanto e tanto e mais o que se possa imaginar ou mentir. Cheira e sabe a quê? A si próprio, e pouco importa um dicionário de etiquetas com referências redutoras ou hiperbólicas.
.
A nomenclatura burocrática estampa-lhe uma injusta classificação de regional – não que seja desprimor para alguém ser regional, mas porque se refere a um vinho antigo e famoso. Por isso, não o deixam ser «generoso», apenas o plebeu «licoroso».
.
Não tenho por hábito usar imagens de produto, mas aqui torna-se obrigatório. Quem possa, faça um brinde aos bastardinhos que virão.
.
.
.
Origem: Península de Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca
Nota: 10/10
.
O que é bonito, é bonito e deve ser visto!
.
.

Bastardinho

.
Era do Lavradio, de toda aquela península até ao mar da Caparica. Bebi tão pouco que quase não há.
.
.
.
Chegava de fragata e já o Cacilheiro estreitava o rio entre a capital e a província. Pelo Tejo se ia ao piquenique, sob latadas ou corando no areal.
.
.
.
Por ali piquenicar, dizia uma bisavó que não era da Caparica, era a Costa da Paparica.
.
.
Não percebo por que se ia vestido para a praia. É tão bom assim quando o frio permite a areia secar e estaladiça se deixar definir pelas patas das gaivotas.
.
Talvez por francesa, a Trousseau ali se tenha eternizado Bastardo. Ali saciava e atravessando o rio.
.
.
Se o passado não tem futuro, e que, como a frase acima, seja incompleto para deixar esperança.
.
.
Renascendo sem ressuscitar.
.
.
.
Nota 1: Instalação luminosa de Regine Schumann
.
Nota 2: A fotografia de Artur Pastor.
.
Nota 3: Desenho de J. Novaes Jr
.
Nota 4: Fotografias de autor não identificado.
.
Nota 5: A fotografia de David Hixon.