terça-feira, fevereiro 09, 2016

Vinhos Duas Quintas – 25 anos (quase 26)

Tenho vergonha! Muita vergonha! Os vinhos Duas Quintas celebraram 25 anos em Maio e escrevo no Fevereiro seguinte. Os tempos foram alucinantes, por várias razões. Apercebi-me da velocidade quando notei que está prestes a cumprir-se um ano sobre a morte do meu pai – literalmente parece ter sido ontem.
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Desculpas, justificações e intimidades à parte, os Duas Quintas completaram um quarto de século. Recordo-me que a estreia causou sensação entre os enófilos portugueses. Muito embora já existissem vinhos de grande qualidade, o facto é que eram muito menos numerosos do que hoje.
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Se, por um lado, isso beneficia esta marca, em termos de notoriedade, por outro não é razão de injustiça. Vindima após vindima, a qualidade manteve-se, acompanhando as características climatológicas. Não há anos iguais, não há Duas Quintas iguais.
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O primeiro Duas Quintas reporta-se a 1990, sendo um tinto. O ano seguinte conheceu o primeiro Duas Quintas Reserva, também tinto. O nome resulta da junção de uvas da Quinta dos Bons Ares e da Quinta de Ervamoira.
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Não vale a pena contar a história de Ervamoira, pois muito se escreveu e é facílimo encontrar na internet os elementos que a constituem. Ainda assim, não resisto a nomear alguns factos históricos. Para uns será recordação, para outros é um tempo que não conheceram, de viragem do país e do mundo.
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Enquadramento histórico
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A História Contemporânea Portuguesa tem vários marcos no século XX, em que os mais importantes são o regicídio de Dom Carlos e do Príncipe Real, Dom Luís Filipe, a 1 de Fevereiro de 1908; a implantação da República, a 5 de Outubro de 1910 – véspera em Loures; a caótica Primeira República; o golpe de Estado de 28 de Maio de 1926, que antecipou o estabelecimento da Segunda República, a 19 de Março de 1933, designada por Estado Novo; a Guerra Colonial ou Guerra da Libertação (Angola, Fevereiro de 1961, Guiné, Julho de 1961, e Moçambique, Setembro de 1961), como é designada nos Estados que nasceram das antigas colónias, e da tomada dos territórios na Índia, de Goa, Damão e Diu por parte da União Indiana (18 e 19 de Dezembro de 1961); Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974 e Revolução subsequente, que veio a permitir a instauração da Democracia, a actual Terceira República, embora com um período inicial de risco de nascimento duma ditadura comunista, que quase levou a um guerra civil, sendo o término do chamado Período da Revolução em Curso (PREC) a 25 de Novembro de 1975 (merecia ser feriado); da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (1 de Janeiro de 1986 – Tratado de Adesão assinado em 12 de Junho de 1985) – além da estabilização governativa, deste este último facto adveio a entrada massiva de dinheiros europeus, com inúmeros episódios de esbanjamento, oportunismo e novo-riquismo, desestatização da economia.
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Em termos mundiais, o século XX foi o mais violento da História, com dois conflitos mundiais, inúmeros regimes autoritários, de Esquerda e de Direita, sendo particularmente criminosos o Fascismo-Nazismo e ultranacionalismo do Império do Japão – sobretudo o segundo com centro na Alemanha, com o desumano Adolf Hitler, mas muito igualmente onde se desenrolou a acção japonesa – e o Comunismo – desde a Revolução Russa de 1917, que desembocaria no nascimento da União Soviética, desde o tempo de Lenine até ao seu término em 1991 –, sendo particularmente tenebroso com Estaline, além do regime na República Popular da China, com Mao Tse-Tung, e do Camboja, de Pol Pot. Do lado oposto, embora praticado por um país (supostamente) democrático, os Estados Unidos da América, a Guerra do Vietname. O período da Guerra Fria, entre 1945 e 1991, ficou marcado pelas guerras indirectas, desencadeadas e apoiadas pelas duas superpotências (EUA e URSS), que alimentaram ditaduras pelo planeta.
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Os vinhos Duas Quintas nascem no contexto do final da Guerra Fria, onde um marco notável foi a queda do Muro de Berlim (13 de Agosto de 1961 a 9 de Novembro de 1989), que dividia a actual capital alemã, entre a ditadura comunista da República Democrática Alemã e a democrática República Federal Alemã, à qual se viriam a juntar os territórios libertados. Foi o princípio da tranquilização, após a sombra duma nova guerra mundial, com uso de armas atómicas.
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Em termos menos dramáticos, a cultura popular em Portugal modificou-se, com o surgimento do chamado «nascimento do rock português» – injustificado, pois já surgiram músicos a adoptar o pop/rock na década de sessenta – que se desenvolveu e sedimentou, assinalando uma despolitização dos conteúdos musicais.
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Um reflexo do momento da transição política escutou-se com o sucesso «Portugal e a CEE», dos GNR, ainda sem Rui Reininho ao microfone, lançado em Março de 1981, sendo Alexandre Soares o vocalista  espero estar certo. Outro ponto significativo foi a construção da Barragem de Foz Côa… passo a contar.
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Em 1987, Aníbal Cavaco Silva conseguiu a primeira maioria absoluta em Portugal, renovada em 1991. O período de deslumbramento e novo-riquismo do «cavaquismo» teve tiques de arrogância governativa. Em 1994, os portugueses começaram a demonstrar saturação do estilo político, assinalando-se o momento simbólico do buzinão contra o aumento das portagens da Ponte 25 de Abril e posterior bloqueio de camionistas e apoio popular.
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No ano seguinte foi o tombo final. Nesse ano, a sociedade portuguesa uniu-se contra a construção da Barragem de Foz Côa, que inundaria um património ímpar mundial, gravuras rupestres, datadas desde o Paleolítico Superior até ao século XX.
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À porta do emblemático Mosteiro dos Jerónimos, acamparam arqueólogos em sinal de protesto e de divulgação. Na música estava em alta o tema «Não sabe nadar», os Black Company. Depressa o refrão mudou:
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Bantú não sabe nadar yo
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K.J.B. não sabe nadar yo
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Madnigga não sabe nadar yo
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Makkx não sabe nadar yei.
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Transformou-se em:
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As gravuras não sabem nadar! Yo.
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Uma ajuda veio do duque de Bragança, que se casou naquela igreja, que assinou a petição dos arqueólogos.
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A campanha correu muito e a arrogância governativa não cedeu, partiu-se. A 6 de Outubro, os portugueses escolheram o Partido Socialista, de António Guterres, que prometeu uma governação de diálogo.
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Ora, essa represa de Foz Côa não iria destruir apenas património histórico mundial, mas a Quinta de Ervamoira. Salvas as vinhas, salvaguardado o interesse público, hoje é possível conhecer um pouco desse espólio, num pequeno sítio museológico. Na vila de Foz Côa foi construído um museu exemplar, inaugurado em 2009.
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Os vinhos do quarto de século
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O Duas Quintas Tinto 1990 mostrou-se fantástico, prometendo mais anos de vida. Foi um ano com um Inverno chuvoso e um Verão quente e seco, o que colocou desafios aos técnicos da Ramos Pinto. Fez-se com uvas de touriga francesa (50%), tinta roriz (25%), tinta barroca (15%) e touriga nacional (10%), sendo engarrafado, após estágio em barricas de carvalhos francês, em Fevereiro de 1992.
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O Duas Quintas Reserva Tinto 1991… se o primeiro estava fantástico, este ficou acima. Muito vivo e apetecível. As uvas foram sobretudo de Ervamoira (80%). O vinho estagiou nove meses em casco de carvalhos português e francês, tendo sido engarrafado dois anos após a vindima. O lote foi de touriga francesa (60%), touriga nacional (20%) e tinta barroca (20%).
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A firma Ramos Pinto considera que 1994 foi o ano da década, com as características climatológicas avaliadas como perfeitas.
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O Duas Quintas Tinto 1994 está em grande forma, com grande vitalidade. Porém, achei-o excessivo, cansou-me. Apenas 20% do vinho estagiou em madeira, em pipas de carvalho português com dois e três anos de uso, durante seis meses. O lote é de touriga francesa (45%), tinta roriz (40%) e touriga nacional (15%).
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Excelentíssimo, o Duas Quintas Reserva Tinto 1994. Um néctar fabuloso. Após a fermentação maloláctica, 40% do vinho estagiou em cascos de carvalhos português e francês, durante nove meses. O engarrafamento aconteceu dois anos após a vindima. O lote é de touriga nacional (50%), touriga francesa (30%) e tinta barroca (20%).
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O ano 2000 também correu de feição. O Duas Quintas Branco 2000 está para as curvas. Metade do vinho fermentou em cubas de inox e a outra parte em madeira nova de carvalho francês. De acordo com a ficha técnica, o lote é de «mistura» (?! – 30%), rabigato (30%), viosinho (20%) e arinto (20%).
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Muito bem está o Duas Quintas Reserva Tinto 2000. Após a maloláctica, 80% do vinho estagiou um ano em barricas de carvalho francês, tendo sido engarrafado dois anos após a vindima, depois de 365 dias em garrafa. O lote é de touriga nacional (50%), touriga francesa (30%), tinta barroca (10%) e tinta roriz (10%).
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Nota 1: Música «Portugal e a CEE», dos GNR.
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Nota 2: Música «Não sabe nadar», dos Black Company.

segunda-feira, fevereiro 08, 2016

Alambre Moscatel Roxo 2010

Elogiar os moscatéis da firma José Maria da Fonseca (JMF) é como noticiar a derrapagem das contas públicas portuguesas. Vira o disco e toca o mesmo: os Governos falham e esta empresa acerta.
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Confesso que tenho grande simpatia por esta casa, que começou pelos produtos, consequentemente pelos técnicos e gestores que o permitem, e hoje se estende à família proprietária, que vai na sexta geração. Contudo, penso ter o distanciamento suficiente para avaliar o que ali se faz, até porque conto com 26 anos de jornalismo, tempo mais do que suficiente para saber controlar emoções e adjectivos. Além de que os textos publicados na Garrafeira do Infotocopiável (nova designação, mas com o mesmo endereço) não são notícias, mas opiniões, como tal subjectivos.
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Um dos aspectos que merece uma vénia é o cuidado com as plantas, que não começou agora, traduzido na maior colecção ampelográfica de castas em Portugal. Um acervo que permite o estudo, com as vantagens que daí advém na biologia, viticultura, história, preservação, oportunidade de criação de produtos, etc.
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Se hoje existe vinho Bastardinho, outrora também conhecido por Vinho do Lavradio, resulta das compras efectuadas ao último viticultor da casta bastardo da Península de Setúbal. A vinha deu lugar a cidade e, décadas depois, uma nova nasceu por via da lavoura da JMF.
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Outro exemplo é o da variedade que faz o vinho aqui em análise, a moscatel roxo. Há uns anos restava um hectare, na Quinta de Camarate, propriedade desta empresa, e hoje há 40, dos quais dez são da JMF.
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O moscatel roxo tem permitido a Domingos Soares Franco, enólogo-mor da JMF, andar a criar «terror», onde a partida maior que me pregou foi o monovarietal de touriga franca (95%) - publiquei um texto na revista online Blend - All About Wine. O rosado desta casta tem sido um sucesso, pese não me dar grande prazer. Se o mundo diz uma coisa e eu outra, provavelmente (99,999999999…%) é ser eu o equivocado.
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O generoso (fortificado) Alambre Moscatel Roxo 2010 vem na linha de edições anteriores. Fresco e convidativo, descontraído e com boas maneiras à mesa. É fino, com subtileza, o que o torna perigoso. A gulodice não advém do açúcar, mas dessa frescura e elegância.
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Não sei o que é essa coisa da relação entre a qualidade e o preço, mas posso garantir o que é um valor seguro. Entendo a designação como sinónimo de fiabilidade. O enófilo sistemático e o apreciador não militante têm a certeza do que estão a comprar – seja qual for o critério de exigência, nível prazer, conta bancária e disposição de pagar até determinado patamar, os elementos para o estabelecimento dessa equação da relação do preço com a qualidade.
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O tal distanciamento que julgo ter para a avaliação faz-me abster de divulgar a minha tabela de relação entre a qualidade e o preço. Este blogue reflecte apenas o meu gosto pessoal, sendo as notas inteiramente subjectivas. Porém, em casos em que a apreciação me pareça confrontar a qualidade, coloco esse facto em evidência, para que possa ser feito o desconto.
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Percebi que a casta moscatel roxo fica aquém (gosto) da moscatel de alexandria – o que não desfaz. No tal monovarietal resulta fantástico. Até pelo que escrevi acima, com isto não digo que se arranquem as vinhas do moscatel roxo para pôr a preferida.
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Resumando e concluando. Belíssimo vinho cuja nota dou uma margem de 0,5 pontos. Ou seja, penso que, se me abstiver do prazer pessoal, a nota estará meio ponto acima. Note-se que a escala (subjectiva) é decimal, mas em que o 3 é positivo – não vejo vantagem em estabelecer patamares para o «evitável» ou o «reprovado». Acresce outro pormenor; é uma escala aberta como a de Richeter.
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Denominação: Mocatel Roxo de Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca

Nota: 6,5/10