terça-feira, dezembro 24, 2013

Real Companhia Velha apresenta novos topos de gama

Eu, embirrento me confesso, encanito-me com castas estrangeiras no Douro. Irrita-me ser humano e ter excepções. Irrita-me, irrita-me e irrita-me.
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A questão que ponho é aceitarem uma designação tradicional a uma coisa que nada tem de tradicional. A Real Companhia Velha, instituição de 1756, tem um estatuto especial... pergaminhos e a antiguidade é um posto... não é bem assim.
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Na Quinta de Cidrô tem se posto, há muitos anos, a fazer ensaios. Felizmente, no Douro não reina o deslumbramento pelo estrangeiro e protege-se o que é, de facto, de lá. Porém, o semillon foi aceite... ai que morro!
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É que a francesa semillon é a nossa boal! Cruzes! Canhoto! Pois numa visita técnica, os especialistas concluíram que eram a mesma coisa. Mais tarde, as equipas da Real Companhia Velha vieram a descobrir nomenclaturas interessantes em algumas aldeias. Há várias, mas só fixei o semilhão.
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Semilhão é notável! É a língua a mexer-se. Ao contrário da defesa das nossa denominações de origem controladas, que aprecio a quietude, o idioma quero-o mexido, prova de vitalidade. E semilhão é um achado que vale oiro.
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Antes de concluir esta parte, quero notar a homogeneidade da qualidade dos vinhos. É claro que não podem ser todos iguais, ainda bem, mas completam-se. Permitem variar nos pratos se se quiser manter sempre a escolha no mesmo produtor.
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Quinta de Cidrô Semillon 2012
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Fresco e guloso. Não é o meu estilo de vinho, com as suas notas florais e de pêssego em calda. Escorrega perigoso e tem um final com alguma lonjura. Como o termo indica, é 100% semillon, semilhão ou boal, conforme a sede do freguês.
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Origem: Douro
Produtor: Real Companhia Velha
Nota: 6/10
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Carvalhas Branco 2011
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Ora aqui está um branco mais ao meu contentamento. Pudera... viosinho, rabigato e côdega. Tem mineralidade e notas cítricas, pelo que resulta fresco. Mas conjuga-as com notas mais quentes da madeira, como um suave abaunilhado. Na boca teima em ficar.
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Origem: Douro
Produtor: Real Companhia Velha
Nota: 7/10
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Carvalhas Tinta Francisca 2011
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É giro! No bom sentido. Desanuvia o Douro, aligeira-lhe o perfil que, por vezes é carregado. Bebi-o com muito agrado.
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Embora tratando-se dum monovarietal, tem complexidade... algum cogumelo, ou terra húmida sob as árvores, amoras e ervas molhadas. Final elegante.
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Origem: Douro
Produtor: Real Companhia Velha
Nota: 7/10
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Quinta dos Aciprestes Grande Reserva 2011
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A dupla tourigas a funcionar... parece o Belenenses quando jogava à bola. Ando a ficar cansado da touriga nacional, nomeadamente do seu peso excessivo, que marca muito... no Douro, quando está mais quente, ainda não em compota açucarada, resulta muito bem.
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A touriga franca é... quem me lê sabe que é a tinta da minha vida.
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As duas, a jogar ao ataque, dão vinhos que só o Douro sabe fazer. E digam-me e ralhem-me, mas touriga nacional é no Douro.
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É um vinho vivo, com nervosinho, que dá pica a beber, não dá vontade de beber duma só vez... quase que irrita e é para ir lá para fora pedir explicações. Teu framboesas muito maduras, amoras, mas também notas trufadas, terra molhada e algum azinho. Boa acidez e um belo final.
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Origem: Douro
Produtor: Real Companhia Velha
Nota: 8,5/10
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Evel  XXI 2011 – Centenário
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Este tem um carisma que lhe dá o lugar conquistado pelo «singelo» Evel, que é um marco nos vinhos durienses. Desliza com elegância, ou não fosse resultado também de vinhas velhas. Aqui a dupla de tourigas volta a provar que são grandes castas.
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A marca Evel foi criada em 1913 e resulta da pouca imaginação de escrever «leve» ao contrário... ponto diferenciador do que se fazia na região.
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É um vinho com classe e fundura. Dura uma refeição de vários pratos de carne... caça, tacho, forno...
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Taninoso e com fruta, sem mariquices modernaças, encorpado e suave. Com longo e fresco final.
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Origem: Douro
Produtor: Real Companhia Velha
Nota: 8,5/10
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Quinta do Cidrô Celebration 2010
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Outro grande vinho, mas com resultado menos feliz. A enologia juntou duas grandes castas e saiu um certo conflito de egos: cabernet sauvignon e touriga nacional.
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Nem pimentão nem compota. Aleluia! Mas um primeiro golo e o cabernet sauvignon já estava a marcar pontos. Com o tempo, a touriga nacional deu algum sinal de si, mas a francesa deu-lhe poucas hipóteses. E ainda assim, a touriga nacional tem 60% do lote...
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Digo «outro grande vinho», porque o é. Seria injusto se não o afirmasse. Porém, no totalitarismo do meu gosto, que impera neste blogue de crítica amadora, não o posso coocar no mesmo patamar.
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Origem: Regional Duriense
Produtor: Real Companhia Velha
Nota: 6,5/10
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Carvalhas Tinto 2011
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Um grande ano e aqui se mostra que o foi. Um Douro feito para mim. Tem a complexidade mineral, floral, herbácea e frutada, notas fumadas, nomeadamente de azinho. É fresco e muito longo. Denso e negro.
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Vinho de vinhas muito velhas, dizem mais de 20, onde cada casta sabe de si e Deus sabe de todas. E quis o bom Deus que delas saísse uma obra que tanto prazer me deu.
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Origem: Douro
Produtor: Real Companhia Velha
Nota: 9/10
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Grandjó Late Harvest 2008.
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Todo ele feito de semillon. Um vinho sempre fiável. Na dúvida... Talvez o melhor colheita tardia português.
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Origem: Regional Duriense
Produtor: Real Companhia Velha
Nota: 8/10

Barros 100 anos anos

A notícia deste vinho já aqui tinha sido dada, basta clicar aqui. Por isso, tenho pouco a dizer:
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Belo! Clássico! Um vinho cheio de tradição. Muito sedoso e que apetece muito num final de refeição, a par de belos queijos bem curados.
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Origem: Porto
Produtor: Barros / Sogevinus
Nota: 8/10

Bacalhôa Moscatel de Setúbal Superior 20 anos 1983

Grande vinho! Prova de que os Setúbal podem (e são) ser vinhos do cacete. Um embrulho olfactivo de bolo-rei, avelãs, amêndoa, alguma noz, caramelo e um fina praia, que não chega a ser iodo ou sal.
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Felizmente não entra na tristeza dos xaropados de caramelo, pesadões e enjoativos que alguns produtores teimam em fazer, porque o «mercado», essa coisa inorgânica, gosta é do docinho. Que façam rebuçados de caramelo.
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Nada disso! Este é duma elegância e suavidade, que justificam a reputação dos vinhos daquelas bandas. E... GRAND FINALE!
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Negativo só a rotulagem, que não dá bem para perceber quem o faz... adivinha-se!...
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Origem: Setúbal
Produtor: Bacalhôa Vinhos
Nota: 8,5/10

segunda-feira, dezembro 23, 2013

Vinha Grande Rosé 2012

Este rosé veio em contra-ciclo... diz o senso comum que os rosados se querem para o Verão, para resgatar dos calores. Mas tem de ser assim? Tem mesmo? Não, não tem. Gostei deste e depois do Verão. Não foi para regar o ânimo, foi para dar vida a grelhados, frango com uma boa tomatada de refogado.
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Origem: Douro
Produtor: Casa Ferreirinha (Sogrape)
Nota: 6/10.

Nota: Este vinho foi enviado para prova pelo produtor.

Vinho Mor

Caiu-me na caixa do correio electrónico uma missiva dum novo produtor de vinhos do Douro a dar a conhecer o seu projecto. Em traços gerais, José Carlos Pinto pretende chegar directamente ao consumidor, saltando distribuidores, garrafeiras e outras superfícies comerciais.
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Parece-me arriscada a estratégia, mas há muito que se sabe que a melhor publicidade (e a pior também) é a de boca-a-ouvido. Se José Carlos Pinto acertar na chave vencedora bem pode arrecadar as margens que, tradicionalmente, são comidas por terceiros.
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O problema é como isso se faz. Para já, Vinhos Mor Douro Valley, sediada na Quinta da Capela, perto da Régua, tem página na internet, com informação relativa a outros meios de comunicação.
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Troquei uns emails com José Carlos Pinto e encontramo-nos perto da minha casa. Deixou-me três garrafas; uma de branco, outra de tinto colheita e outra de tinto reserva. Antes de ir referiu que este seu branco é diferente do que habitualmente se faz pelo Douro.
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Diria que não me lembro de ter bebido nenhum branco deste género proveniente do Douro, facto que, só por si, não é bom nem é mau. O mercado pode gostar da diferenciação, mas pode castigar a ousadia.
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No que respeita ao Douro, sou conservador. As uvas que compõem o lote são típicas: malvasia fina, rabigato e gouveio. Lá que voltas lhe deu, não sei (não ligo muito aos descritores técnicos, aborrecem-me muito), mas o vinho está desalinhado com a região.
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O vinho é bem feito e prazenteiro. Fresco, com mineralidade, só que... não é Douro. Às cegas diria que me lembra um Alentejano com boa frescura. É uma originalidade. Quanto a qualidade, voto bem positivo, quanto a risco não sei o que dizer, quanto a interesse, poucochinho. Resultado, contudo, bem pontuado.
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Já o colheita tinto me preencheu mais. O produtor inventou menos e eu, no que respeita ao Douro, gosto de ter certezas... Bebi-o com muito agrado, acompanhando carne de vaca (não em sangue)... deslizante e sedutor. Talvez porque José Carlos Pinto tenha tirado de lá a touriga nacional (é que começa a cansar... e muito). As uvas foram touriga franca, tinta roriz e tinta barroca.
O Mor (R) – reserva – causou-me um susto... temi uma desilusão de cair da cadeira abaixo. O primeiro impacto foi muito negativo. Misturado, com a parecerem zangadas... touriga nacional, tinta roriz e tinta barroca.
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Fiquei sinceramente triste, porque os dois vinhos anteriores mereciam um final mais alto. Dei-o como perdido. Tão perdido que nem o rolhei. Porém, 24 horas depois...
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O Mor (R) estava com vontade de correr. Estava cheio de pujança, de genica e bravura... erro de principiante: precisava de levar uma forte decantação. A partir daí: uau!
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Mor Colheita Branco 2012
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Origem: Douro
Produtor: Douro Valley
Nota: 5,5/10
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Mor Colheita Tinto 2011
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Origem: Douro
Produtor: Douro Valley
Nota: 6,5/10
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Mor Reserva Tinto 2010
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Origem: Douro
Produtor: Douro Valley
Nota: 7,5/10
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Nota: Estes vinhos foram enviados para prova pelo produtor.

Gilda 2012

– Tem!
– Não tem!
– Estou a dizer-te que tem!
– Garanto-te que não!
Tiago Teles criou o seu primeiro vinho. Um néctar que me surpreendeu e agradou, muito embora esteja longe de ser moldado para a minha boca.
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O contra-rótulo adianta que o lote é composto por merlot, castelão e tinto cão. E é aqui que entra a contenda, o diálogo do início do texto.
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Para mim tem cabernet sauvignon, e muito. Muito e bom. E com uns civilizadíssimos 12,5% de álcool. Vinho para beber e, se apetecer, comer também.
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Confrontei Tiago Teles que me garantiu que não, que não entrou uma única esfera daquela casta. Inconformado... explicou-me que o merlot, quando apanhado cedo, surge com notas de cabernet franc.
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Vencido, mas não convencido. Levarei a vida toda, com paciência de torturador chinês, para o fazer confessar.
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Origem: Portugal
Produtor: Tiago Teles
Nota: 6,5/10

Esporão Reserva Tinto 2011 Edição Comemorativa 40 anos

O Esporão é uma casa especial. Nasceu da visão de José Bandeira, entretanto falecido, e da vontade de José Roquette. Quando não se pensava que o Alentejo haveria ter tantas vinhas quanto searas (afirmação sem qualquer fundamento factual), estes dois homens lançaram-se à obra.
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Veio a Revolução do 25 de Abril, que trouxe a liberdade, veio o Verão Quente, que abanou o país, e veio o 25 de Novembro, que colocou Portugal no caminho das democracias ocidentais. O tempo apaziguou o país e estabeleceu o clima para os negócios. Aos poucos, mais gente reparou no potencial vitivinícola do Alentejo.
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Em Setembro celebraram-se 40 anos da casa que, entre outras virtudes, tem um crescente respeito pelo meio ambiente e uma longa ligação às artes plásticas, que vindima após vindima conhece um novo artista para juntar o talento duma arte «convencional» duma outra, menos consensual, que é a do vinho.
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Tratando-se dum vinho de homenagem, fico-me pelos votos de felicidade à casa e a todos quanto nela trabalham. Este vinho (tinto) é um grande vinho.
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Origem: Regional Alentejano
Produtor: Esporão
Nota: X

sexta-feira, dezembro 20, 2013

Escondido 2010

Tenho dificuldade em escrever acerca do Escondido. Um vinho com dezenas de exemplares tem mais do que obrigação de ser bom. E qualidade não lhe falta.
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Qualidade e raridade têm sempre um efeito nos preços, que os puxam para cima. O que é compreensível. Será que os vinhos muito caros ou supercaros valem os preços que lhes estampam?
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Sinceramente, não sei o que faria se pudesse comprar, com grande assiduidade, vinhos de valor imponente. A ânsia de provar o raro seria mais do que o bom-senso?
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O Escondido está nessa categoria de vinhos de dilema. Há quem, na equipa de Aníbal Coutinho (enólogo e produtor), reconheça que esses supercaros não valem o que pedem por eles, em termos de qualidade.
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E este vinho é o quê? Um grande vinho em qualquer parte do mundo, capaz de agradar a enófilos mais batidos e, quando bem casados com a comida, aos jovens entusiastas.
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É um vinho rico e complexo em termos de aromas, com notas que nem sempre são comuns, com uma desafiante pimenta preta. Na boca revela-se pujante e dominável... e há que saber conduzir um Ferrari.
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Tem taninos raçudos e um final longo e que puxa mais vinho para o carburador. Que faz bem as curvas a comida picante, a nacos bem ensanguentados ou queijos com temperamento.
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Como se pede aos grandes vinhos, deixa-se beber agora, mas se puderem guardem-nos por uns anos.
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Fez-se com castas correntes, mas que aqui se mostraram divergentes à norma, o que constituiu uma surpresa: merlot, touriga nacional e syrah.
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Origem: Regional Lisboa
Produtor: Aníbal Coutinho
Nota: 8,5/10

Mexilhões com vinho dos Lavradores de Feitoria

Parece que foi ontem, mas foi Setembro... ai, que me perdoem... parando com os lamentos... Participei numa prova deliciosa que juntou mexilhões  e vinhos da casa Lavradores de Feitoria. Ainda era Verão e o evento tinha lógica. Ainda tem, porque há sempre um bom supermercado que vende bom marisco quase todo o ano.
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A bebida de boas vindas foi um guloso Três Bagos Sauvignon Blanc 2012. Já na mesa, no Bebel Bistro (Rua de São Bento – Lisboa) vieram «moules marinière» que se casaram muito bem com Três Bagos Branco 2011. A segunda ronda foi de «moules et frites à Nelle Duportail» acompanhado por Lavradores de Feitoria Rosé 2012. Para finalizar chegou «moules à la provençale» que se ligou com Três Bagos Sauvignon Blanc 2012.
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A conversa durante e depois do repasto não foi unânime quanto à melhor ligação. Porém, sobressaiu a terceira hipótese, por se ter ficado à espera dum pata mar acima. Instintivamente, Olga Martins, administradora da empresa, trouxe uma garrafa improvável: Três Bagos Tinto 2010... que maravilhosa ligação.

Dois Terra a Terra Reserva

A dupla Celso Pereira e Jorge Alves tem já um nome bem claro e firmado no mundo dos vinhos portugueses. A dupla consegue elegância onde poderia encontrar rusticidade, mas não lhe tiram todos os calhaus que reflectem os lugares.
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Mais um ano em que os Terra a Terra Reserva justificam uma presença na garrafeira dos enófilos, sejam eles mais abrangentes ou mais ligados ao Douro. São também vinhos didáticos, quando se quer mostrar o que é o Douro a um estrangeiro.
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Terra a Terra Branco Reserva 2011 assentou na dupla, com resultados firmados, viosinho e rabigato. Vinho com frescura e mineralidade. Não é um estrondo, mas é um belo vinho.
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Origem: Douro
Produtor: Quanta Terra
Nota: 6/10
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Terra a Terra Reserva Tinto 2010 é outro néctar com o Douro dentro. Nada pegajoso na boca, transmite um calor fresco. Tem aquela elegância amarrotada. É um Douro, daqueles que gosto. Fez-se de touriga nacional, touriga franca e tinta roriz.
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Origem: Douro
Produtor: Quanta Terra
Nota: 7/10
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Nota: Estes vinhos foram enviados para prova pelo produtor.

Três Confradeiros

A marca Confradeiro fez alguma história no Douro. Numa época em que as marcas eram poucas, uma grande casa, a Sandeman, arriscar nos vinhos de mesa teve o seu quê de inovador.
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O primeiro foi da colheita de 1986, mas a vida não foi longa. O comunicado da Sogrape refere 20 anos de paragem... talvez tenha entendido mal, mas foi o que me ficou da literatura.
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Quer em 1986 quer em 1993 andava eu a apanhar bonés neste óbi dos vinhos, achando que sabia muito... hoje continuo com a mania, mas sei que saltei uns obstáculos. O Confradeiro tinto estava num patamar que, para miúdo com pouco dinheiro, mal conseguia chegar. A memória está longínqua, mas tenho ideia de que era aprovado.
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Confradeiro Branco 2012 é um típico duriense, composto por viosinho, malvasia fina e gouveio. Fino e com elegância. Dá satisfação, mas não encanta
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Origem: Douro
Produtor: Sandeman (Sogrape)
Nota: 5/10
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Confradeiro Tinto 2011 vem no conceito do anterior: bom vinho, com preço competitivo. Não brilha na mesa, mas não envergonhará ninguém, e com apetite para carne. Fez-se de touriga nacional, touriga franca e tinta roriz.
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Origem: Douro
Produtor: Sandeman (Sogrape)
Nota: 5,5/10
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Confradeiro Tinto Reserva 2010 fia mais fino, este já é me dá mais pica. Cheira a Douro, sabe a Douro. Bendita touriga franca que aqui te deixaram brilha... acompanhada pela «obrigatória» touriga nacional e pela tinta roriz.
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Quente com frescura, evolvente... complexo na boca, mais do que no nariz. Gostei mesmo.
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Origem: Douro
Produtor: Sandeman
Nota: 7/10
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Nota: Estes vinhos foram enviados para prova pelo produtor.

Auditoria 2010

É um vinho bem catita, realizado em parceria entre a equipa da Torre do Frade e a responsável pelos vinhos do supermercado do El Corte Inglés. A ideia foi mostrar que fazer vinho não é propriamente barato, quando se quer fazer algo com carácter, qualidade e diferenciação.
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Com um orçamento base, a equipa da loja de distribuição elaboraram o seu vinho, desde o começo até à rotulagem.
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Aposta ganha, vinho tinto com power e vontade de ser bebido!
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Origem: Regional Alentejano
Produtor: Torre do Frade (Sociedade Agrícola da Torre do Curvo) / El Corte Inglés
Nota: 7/10

Reservas do Monte da Ravasqueira

Julgo que já aqui, em tempos, me queixei dos vinhos deste produtor, sendo que posteriormente lhe tenha feito (alguma) justiça. Neste texto, além das novidades terei de me penitenciar.
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O Monte da Ravasqueira Reserva Branco 2012 não é, claramente, um vinho para o meu gosto. Agradável, com certeza, certamente quase consensual, mas o perfil não me fará comprá-lo. Todavia, é um vinho fácil de agradar e muito bem feito
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Fez-se com as uvas viognier (54%), que definitivamente entraram na moda, e alvarinho (46%)... e alvarinho no Alentejo, sinceramente... acho que há alternativas mais interessantes.
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Origem: Regional Alentejano
Produtor: Monte da Ravasqueira – Sociedade Agrícola D. Diniz
Nota: 6/10
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Monte da Ravasqueira Reserva Tinto 2011 já me deu mais prazer. É um vinho capaz de agradar em todo o mundo, com a equipa vencedora da touriga nacional (54%) e da syrah (46%), em que uma puxa pela outra e juntas fazem o caminho.
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Origem: Regional Alentejano
Produtor: Monte da Ravasqueira – Sociedade Agrícola D. Diniz
Nota: 7%10
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Monte da Ravasqueira 2003... o que disse mal deste vinho!... bebi-o em casa dum amigo, recentemente, andava por lá esquecido, e está uma máquina!
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Nota: Estes vinhos foram enviados (exceptuando o 2003) para prova pelo produtor.

Os Jaguares da José Maria da Fonseca

Todas as casas têm os seus topos de gama. Quem habitualmente me lê já sabe que admiro muito o estilo de Domingos Soares Franco (e da sua equipa, porque ninguém vinho sozinho). E se os néctares mais modestos têm uma inquestionável qualidade, os de topo são de alta escola.
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Escrevi-o várias vezes a transgressão, saudável, do Mestre. O J foge ao arquétipo dos alentejanos, o José de Sousa Mayor já tem sotaque e o Periquita Superyor é a tradição da zona de Setúbal.
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Periquita Superyor 2009 lembra-me os antigos Periquitas, obviamente com a qualidade acima. É natural, pois todo ele é feito com uvas da casta castelão, que atinge o potencialmente máximo na zona de Azeitão... situava-se lá a Quinta da Periquita, e os resultados foram tais que as uveiras se espalharam por todo o lado ali à volta.
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É um vinho rico em aromas, que não se atropelam, mas colaboram entre si, desde a fruta mais escura, ao perfume da lavanda e à frescura da menta. É muito suave e nada rústico
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Origem: Regional Península de Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca
Nota: 8/10
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O J... não sei se goste da marca... deve ser porque é janota... é um português viajado. Não tem sotaque, mas tem tiques de quem viajou bastante. Ainda que lhe dê a mesma nota, o nível de satisfação foi inferior. Porém, apenas essa fronteira do gosto mais e do gosto menos.
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O J juntou grand noir (60%), touriga franca (28%) e touriga nacional. Comprovo, que fora do Douro, a touriga francesa não rende o que dá por lá... mas continua cheia de carácter.
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Origem: Regional Península de Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca
Nota: 8/10
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Periquita Superyor 2009 está na categoria dos imperdíveis. Ainda não chega ao patamar dos... bem, olhem para a escala.
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Se fosse agora apresentado ao sobro, era bem provável que lhe ofertasse este. E cá está o castelão em esplendor, demonstrando que naquelas bandas é ele que reina. Pode estar um pouco fora de moda, mas é casta do caraças.
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Origem: Regional Península de Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca
Nota: 8,5/10
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Nota: Estes vinhos foram enviados para prova pelo produtor.

Pasmados Branco e Pasmados Tinto

Os Pasmados são clássicos, sobretudo o tinto, néctar de que guardo especial memórias. Mas o branco, não tendo tantos anos de conhecimento, é um quase clássico.
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Sinceramente, o Pasmados Branco 2009, embora de grande qualidade, não me arrebatou. Esperava mais. Gostei da escolha do lote, com uvas complementares: viosinho (50%), arinto (30%) e viognier (20%).
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É um vinho fresco, sem ser «fresquinho». Punha-o na mesa com condutos leves.
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Origem: Regional Península de Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca
Nota: 5,5/10
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O Pasmados Tinto 2011 tem, à partida, a sorte de ter nascido em 2011, ano que, se não me engano, foi do melhor... embora com perdas na região de Setúbal e Algarve. Todavia, consta-me que de qualidade não se queixa.
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Este é um misto de clássico e contemporâneo. Disse-me o meu amigo Turco, que o tem provado menos vezes, que está diferente. Provavelmente sim e, a ser verdade, desconfio que seja para se aproximar do gosto dos novos enófilos, mas sem se desmarcar dos fiéis.
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O lote é composto por syrah (49%), touriga nacional (37%) e castelão (14%)
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Origem: Regional Península de Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca
Nota: 7/10
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Nota: Estes vinhos foram enviados para prova pelo produtor.

Quadros da Colecção Privada de Domingos Soares Franco

Com assinalável atraso, porque a vida não está fácil, cá seguem os vinhos que vou tendo em atraso.
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Diz-me o instinto, e também o rótulo, que mestre Domingos Soares Franco faz com esta gama o que lhe dá na telha... talvez um pouco refreado pelo irmão António, que o faz ter os pés mais assentes na terra. Mas isto digo eu, sem qualquer fundamento.
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Ora cá vai o primeiro: Colecção Privada Domingos Soares Franco Moscatel Roxo 2012. Trata-se dum espumante e como o Ano Novo está a chegar pode ser uma aposta.
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Não é vinho para quem já é batido nestas coisas das bolhinhas, mas não há dúvida que pode reunir, em felicidade, convidas dom diferentes graus de enofilia e até aqueles que o único vinho que bebem é o espumante do novo ano.
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Achei-o um pouco doce, mas com final seco. E aí está o equilíbrio da unanimidade, ou quase.
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Origem: Regional Península de Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca
Nota: 4/10
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Colecção Privada Domingos Soares Franco Syrah e Touriga Francesa 2011
A touriga francesa aka touriga franca é a provocação de Domingos Soares Franco, que gosta de ver o furinho na legislação e ir por aí dentro. Curto isso.
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A touriga francesa (por causa dele ando com vontade de voltar à terminologia original) dá-me uma paixão... sei, porque já me disse, que Domingos Soares Franco também a aprecia bastante.
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Aqui, na área de Setúbal, não atinge o patamar do esplendor do Douro. Nota-se que é estranha ali, mas encanta sempre. O casamento com syrah dá-lhe um toque internacional.
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Origem: Regional Península de Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca
Nota: 7/10
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Colecção Privada Domingos Soares Franco Verdelho 2012 parece-me polivalente, para tempos frios e quentes. Um pleno, porque bastante gastronómico. Todavia, à conversa cai igualmente catita.
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Origem: Regional Península de Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca
Nota: 6/10
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Colecção Privada Domingos Soares Franco Grüner Veltliner, Rabigato e Viognier 2012... ai que coisa tão esquisita!... e tão agradável que é!... Tanto mundo e viagem, temperos daqui e dali. Pois este encantou-me bastante.
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Origem: Regional Península de Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca
Nota: 7/10
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Nota: Estes vinhos foram enviados para prova pelo produtor.

segunda-feira, dezembro 09, 2013

Vila Santa Reserva Branco 2012

João Portugal Ramos e sua equipa são duma grande fiabilidade. Vindima após vindima conseguem manter alta a qualidade e o perfil. Claro que há os vinhos mais correntes e outros que melhor exprimem o ano.
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Não querendo entrar na enochatice das vírgulas das vindimas e da precipitação nos três minutos anteriores à colheita, vou dizer apenas o que me apraz... é que sou enófilo e não comentador capaz de sublinhar o 4-3-3 e a função do número 6 no rendimento da equipa.
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Primeiro tenho a dizer que a antão vaz não apareceu. Não a notei nem na boca, nem no nariz nem na documentação fornecida. Aleluia! Este vinho fez-se com a arinto (sempre fresca), a alvarinho (por vezes enjoativa no Alentejo, aqui temperou bem) e a sauvignon blan (carácter mais complexo).
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É um vinho para ser acompanhado por comida. Bebe-lo depois da praia não lhe convém, porque não convém ao enófilo. Junte-se-lhe comida e vai crescer em satisfação.
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Origem: Regional Alentejano
Produtor: João Portugal Ramos
Nota: 6/10

Solista Verdelho 2012

Fresquinho e suave... boa onda, mas não é bem o que chamaria de piscina.
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A edição de 2010 fora feita com a antão vaz (blheck!), mas a dupla de enólogos Paulo Laureano / Rita Carvalho fizeram a maravilha de me maravilhar. A adega tem novo mestre, Rui Reguinga, que é homem de grande mestria.
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Não sei se este Solista é já da sua lavra. O que sei é que gostei dele. Esperava «aquele» solista, o da casta tenebrosa. Esse surpreendeu, até por isso. Este espantou-me menos. A «culpa» não é dele, mas do estrondo do anterior.
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Não lhe aponto negativas. Não é suposto ser um grande vinho, mas um néctar para prazer e consenso. Eu, que tenho mau feitio, digo apenas que é muito certinho. Mas isso digo eu, que tenho a mania que sou duro e mauzão.
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É um vinho para agradar à sogra, que tem a mania que não gosta de brancos.
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Origem: Regional Alentejano
Produtor: Adega Mayor
Nota: 5/10
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Nota: Este vinho foi enviado para prova pelo produtor.

Monte Mayor Branco 2012

Tem piada, tem. Fresco e agradável.
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Num vinho que tem a casta antão vaz, esta simples afirmação é um elogio. Para quem não sabe, digo. Para quem sabe, relembro... odeio a antão vaz.
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Felizmente, neste vinho nota-se pouco! A verdelho dá-lhe mundo e a arinto frescura.
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Origem: Regional Alentejano
Produtor: Adega Mayor
Nota: 4/10
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Nota: Este vinho foi enviado para prova pelo produtor.

Monte Mayor Reserva Tinto 2011

Eis um vinho que, embora sem ofuscamento, dá um bom prazer. Não digo que seja banal, não é isso. Digo que é consensual. Julgo que não existirá ninguém que possa dizer que não gosta.
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Não me arrebatou, mas com satisfação acompanhou uma bela peça de carne de vaca. Nada de gordura excessiva. Casaram-se bem e foram muito felizes.
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Fez-se com as castas aragonês, trincadeira, alicante bouschet, syrah e petit verdot. Tendo tanta coisa, pode ser muita coisa. Não é um alentejanão, no sentido da bombarda, mas não é um alentejaninho, na fragilidade delicada.
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Pode ser muita coisa e como o Alentejo é vasto e variado, é também alentejano.
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Origem: Regional Alentejano
Produtor:
Adega Mayor:
Nota: 5,5/10
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Nota: Este vinho foi enviado para prova pelo produtor.

Fiúza 3 Castas Nature

Este é um vinho descomplicado. Sinceramente não me disse grande coisa. Vai bem com uns acepipes... pasta de atum ou de caranguejo – parece-me, pelo sentido do que dizem, pois pêche (dito à moda do Algarve) e coisa que a minha boquinha não manja.
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Feito com as castas vital, arinto e sauvignon blanc, este frisante não lhes dá grandes características. Achei-o industrial... bem feito. Só isso.
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Origem: Regional Tejo
Produtor: Fiúza & Bright

Nota: 3/10

Ninfa Escolha Pinot Noir 2011 e Ninfa Escolha Sauvignon Blanc 2012

O tempo voa! Parece mesmo que foi ontem que escrevi estacrónica sobre o pinot noir de João Barbosa – um homem simpático com quem simpatizei desde a primeira hora. Apesar do nome e do apelido, não consta que tenhamos parentela.
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Num evento há uns meses (nem quero pensar há quantos) mostrou-me este vinho já feito. Um espectáculo. Tudo o que esperei dele se confirmou.
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Nesse primeiro encontro, quando nos conhecemos, disse-lhe que estava na calha entrar na lista dos meus vinhos preferidos... Bingo!
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O Ninfa Escolha Sauvignon Blanc 2012 é outro vinho para bom contentamento. Nada do espalhafato do «novo mundo», que é uma intoxicação e um aborrecimento. Este é limonado e com ananás, nada enjoativo. Prolonga-se na boca e apreciei-lhe a mineralidade.
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Ninfa Escolha Pinot Noir 2011
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Origem: Tejo
Produtor: João Barbosa
Nota: 9/10
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Ninfa Escolha Sauvignon Blanc 2012
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Origem: Regional Tejo
Produtor: João M Barbosa
Nota: 6/10

quarta-feira, outubro 16, 2013

Kopke 375

Lisboa, cerca das 18h00, uma nanomultidão aguarda a revelação duma nova jóia da Kopke. Ao fundo da sala dum bar decadente, anacrónico e feio está colocada a cobiçada gema.
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O pedestal deixa brilhar a garrafa de Porto da edição comemorativa dos 375 anos da Kopke, casa criada pelos alemães Cristiano e Nicolau Kopke. É a mais antiga firma no negócio e é natural que tenha preciosidades na oficina. Uma delas é a que foi engarrafada para a celebração.
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Da colheita de 1940 restam quatro cascos (se ouvi bem) e os enólogos provaram-nas até encontrarem a certa. O ano colheita é simbólico, pois foi aí que se reconheceu oficialmente a empresa como a decana.
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Este Porto Colheita não foi refrescado com vinho doutros anos, mas conheceu um estágio de acerto e rejuvenescimento em barricas avinhadas, embora não jovens.
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O vinho mostra uma enorme frescura e ímpeto. Tem raça, estilo e personalidade. Tem vida e revela os anos. Uma acidez para lá de Marraquexe, uma untuosidade além de Bagdade um final quase em Osaca. Complexo e equilibrado, não efusivo no nariz e com tudo o que é suposto ter num tawny tão antigo, e não é pouco.
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A qualidade, a antiguidade, a raridade e o simbolismo deste vinho fazem com que não possa ser barato. Vale o preço? Para mim, está barato. Há quem não entenda. Infelizmente... diria inf€lismente não posso satisfazer o meu desejo.
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Ensaiei um roubo. Nada melhor que ter muita gente para subtrair o diamante. Discreto e sorrateiro, aproximei-me do pedestal. Avancei decidido... ninguém me levou a sério!
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E eu que gosto tanto de sonhar acordado...
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Queria ser um herói e não um anti-herói. Não vos posso dar a beber Kopke 375, mas posso ilustrar-vos o meu estado de espírito. Estou entre um e outro.
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Origem: Vinho do Porto
Produtor: Kopke
Nota: 10/10
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Nota: Vídeos das séries televisivas «Missão Impossível» e «Olho Vivo».

Épico... no Flor de Lis

Abençoado almoço! Quem me tem lido sabe que ando afastado da escrita de comida. Várias são as razões, mas desta não escapei. Não quero exagerar, mas penso que esta refeição me vai ficar na memória e por boas razões.
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Bem sei que há sempre mentes laboriosas a traçar conjecturas, maquinações e teorias conspirativas. Para que possam mais facilmente atirar pedras, tenho a dizer que fui convidado. Tenho de referir isso, porque não vou poupar elogios. Quem quer mal arranja sempre pretexto, mas assim fica tudo clarinho. Não me sinto diminuído pelo convite nem devo nada, mas o conhecimento do mundo faz-me iniciar a crónica com esta ressalva.
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O sítio chama-se Flor de Lis, é o restaurante de referência do hotel Epic Sana, uma unidade de cinco estrelas, inaugurada em Março, e situada nas Amoreiras (Lisboa). À frente dos tachos está o jovem francês Patrick Lefeuvre, que sabiamente foi recrutado ao Ritz, onde era subchefe.
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Tenho muitas palavras para elogiar a refeição que me proporcionaram. Duas são: Estrela Michelin. Não me parece exagero, tendo em consideração a imaginação, consistência criativa, qualidade técnica e requinte.
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Embora afirme que é de desconfiar dum cozinheiro magro, penso que neste se pode confiar. O mestre recorre a produtos portugueses, reconhecíveis, mas não lhes dá uma voltinha a fingir que a cozinha é muito tuga, nem os manipula de modo a que sejam irreconhecíveis ou indiferentes. Não é a armar ao pingarelho, é mesmo elegante. A «estrelinha» não depende de mim, nem tenho um milésimo de voto na matéria.
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Considero haver duas minudências a criticar e um pormaior. As miudezas foram uma disfuncional faca para a manteiga e o material do tampo da mesa. Este último aspecto é um bocadinho irritante... os talheres fartam-se de dançar, parecem gaiatos. A mesa é bonita e colocar-lhe uma toalha seria ofender-lhe a estética, mas não é muito funcional.
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O aspecto grave não tem a ver com a cozinha, mas com o sanitário. O sabonete das mãos tem um cheiro, impositivo, artificial e persistente, que destrói qualquer aroma posto na mesa. Este aspecto tem mesmo de ser melhorado, caso a direcção da cadeia Sana queira apostar na gastronomia. Não basta ter um bom chefe, é preciso não lhe estragar o trabalho.
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Procurei, na página de internet do Epic Sana Lisboa, referências ao chefe e ao escanção. Admito poder ter visto mal, mas penso que seria positivo tirar partido mediático destes profissionais.
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O pretexto da visita foi a nova carta de Outono e Inverno. A oferta é vasta, mas não comentarei o que não provei, pelo que os curiosos devem espiolhar o sítio do hotel na internet (julgo que está lá... se não está, devia estar).
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As propostas de cozinha são criativas, de autor artista, com referências a várias coordenadas, mas há igualmente sugestões portuguesas. Se faz falta boa mesa com receitas nossas, também merecemos mundo. Cosmopolita não é apenas cuspir fogo no Chiado e ser estrangeiro no Martim Moniz. Lisboa precisa muito de imaginação, de artistas e não de artífices.
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Apresentaram-me o menu de degustação, no valor de 50 euros, e que consiste em quatro empratamentos, fora o vinho. Dois néctares recomendados pelo escanção custam 15 euros e quatro vinhos 39 moedas. Pelos números, compensa pedir duas vezes dois vinhos... não faz sentido, digo eu, cujo negócio é a escrita.
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Antes das decisões, a casa coloca três manteigas, cada qual melhor que a anterior. Isto que digo tem valor, pois não sou grande amante de natas batidas. Como quando esganado ou quando visualmente troco os olhos pelo nariz.
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Primeiro tiro: «Carpaccio de pato e terrina de foie gras caramelizada, milho e baunilha». Simplesmente delicioso. O fígado estava delicadíssimo, diria sensual. Desfez-se na boca, guloso. O caramelizado com a textura, consistência e espessura certas. Nota máxima (não tenho, mas faz de conta).
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O segundo tiro do menu de degustação foi diferente do habitual, visto tratar-se de peixe. O meu segundo tiro substituiu o «Filete de cherne corado e ravioli de caldeirada à portuguesa». Deve ser delicioso... tenho pena. Quem não sabe, fica a saber. Não como peixe, devido a intolerância olfactiva. É de família! E se acham estranho, pensem naquelas pessoas que não aturam o aroma (delicioso – diverso, como o do pescado) do queijo. É assim a vida, calhou-me a mim.
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Segundo tiro: «Salada de legumes, queijo Manchego e vinagrete de kumuat». Diria vinagreta, à portuguesa, mas o nome do prato é esse... blá, blá, blá... mas isso não interessa nada, como diria a impagável Teresa Guilherme. Legumes gostosos, sem texturas disfarçadas, com pouco tempero e suave, o que me parece excelente para não danificar os produtos. Julgo que me disseram que eram de agricultura biológica... ponto a averiguar. Sim, é importante!
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Terceiro tiro: «Cabrito assado em alecrim, aipo e pimenta sarawak e legumes biológicos». Uau! Bolas! Uau, mesmo! Apesar de ter falado com o chefe, não perguntei se era cabrito de raça autóctone. Mais uma vez delicado, sem artifícios. E só boa matéria-prima permite resultados para boa memória. Quem tem lembrança, ou avós antigas, conheceu aqueles cozinhados de horas de lume brando, numa lareira ou num fogão a lenha. Tempo demasiado para a pressa de hoje, sendo que depressa e bem, não há quem. Pois, essas comidas de antanho tinham o tempo certo, para tudo. Este cabrito esteve ao fogo suave por 12 horas. Tão simples que parece fácil. Tão simples, com ingredientes tão comuns. É sábio não acrescentar o que é supérfluo.
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Quarto tiro: «Cremoso de avelã, pipoca e gelado de amendoim». Para descrição, parece uma invenção de pré-adolescente. Na casa chamam-lhe Snikers, como o chocolate (!). Está bem para referência em prosa e para brincar com o gastrónomo que se senta à mesa, mas o mimo não merece essa comparação. O que tenho a dizer? Que é muito feliz. Bela ideia e, mais uma vez, boa concretização. Todavia, tenho a dizer que foi a iguaria que menos me entusiasmou nesta refeição.
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Não apontei as datas de colheita dos vinhos, nem as especificidades de referência, mas trataram-se de Herdade dos Grous e Quinta da Giesta. Ambos tintos, portaram-se bem. Para a sobremesa veio um Messias Tawny Reserve. Percebo a ideia, mas não concordo. A presença de chocolate de leite apeteceu-me mais com um LBV (que o escanção trouxe à minha sugestão).
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Por que digo que merece a estrelinha dos pneus? Dou duas razões: a qualidade da refeição e experiências inferiores em estrelados. É cedo, muito cedo para sonhos. Gostava que a bordassem na jaleca de Patrick Lefeuvre.
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Funcionamento: Aberto todos os dias da semana.
Horário: 7h00 às 10h00 – ao fim-de-semana até às 11h00 – das 12h30 às 15h00 – das 19h00 às 23h00.
Menu de degustação: 50 euros + vinho
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Nota: Esta refeição foi feita a convite do restaurante.

quinta-feira, setembro 12, 2013

Vinhas do Cruzeiro Vinhão Escolha 2011

O bom e o mau, como o claro e o escuro, o preto e o branco, nunca (!) acontecem – mas contudo acrescento que tudo, nada, sempre, nunca são palavras tramadas. A vida é assim.
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Tenho apreço pela tradição. Não pela fantochada do folclore, mas da verdade que existe no étnico. A qualidade é um valor absoluto, mas os parâmetros de aferição não são; a escala varia, as relações afectivas pesam, a experiência de vida é decisiva, as sugestões sublinham e influenciam.
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Portanto: não gosto de Vinho Verde tinto. Tanto quanto desejo que viva pela eternidade. Não sei se quero que mude. Mudar? Para ficar outra coisa? Mudar para que os gajos que não gostam de Vinho Verde tinto passem a gostar? Não faz sentido. Num tom de brincadeira, não de cinismo, digo que quero que o Vinho Verde tinto fique como está, para que, há falta de melhor assunto, tenhamos algo com que afiar a língua.
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Este vinho dá motivo a conversa, tem muito para dizer. A Casa do Cruzeiro, uma bela residência solarenga, que outrora, antes da vila a abraçar, servia para descanso da família durante o Verão. Como seria de esperar, o domínio tem vinhas. E já agora, de quê? Vinhão e loureiro... que mais poderia ser? O vinho da de loureiro não bebi.
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Porém, este vinho não tem nada a ver com os donos da casa. As uvas vêm de vinhas que estão em terrenos que fizeram parte do morgadio. Este vinho é da Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Ponte de Lima, que também o engarrafa. Este vinho é didáctico. É didáctico para quem o faz e para quem o bebe.
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Ensina a quem nunca provou um Verde tinto onde está o portão do Inferno... mas numa suavíssima visão... o Verde tinto, entenda-se. Esta afirmação traduz-se em: «consegue ser bebido». Tem o seu gás... o amigo Paulo Rosendo hoje andou de esfregona a limpar uma cena de crime. Um mar sanguíneo... ninguém homicidiou (a palavra não existe), apenas o gás forçou a cápsula e a rolha; Bum!
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O facto de se conseguir beber não quer dizer que seja «mau» Verde tinto. Autenticidade, tem. Falta-lhe é o fulgor desabrido dos tradicionais, a loucura insana de quem sai a correr a gritar que há fogo no fim da rua, com os olhos esbugalhados e a língua a quase saltar da boca, os gestos amplos quase desacertados e ilógicos, numa velocidade vertiginosa.
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É aí a falha! Na essência é um verdadeiro Vinho Verde tinto, mas, à conta de muito sermão e porrada, deixa que «eu» o tenha conseguido beber. Defeitos mais do que desculpáveis, até por se tratar dum vinho de escola. A haver falha seria sempre do professor.
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É como o miúdo travesso que sai de manha para ir à mercearia e só volta à noite, trazendo apenas a fisga e dois pardais, que passa ao pé de freiras e diz um palavrão, mas que ao domingo, com o banho tomado e bem penteado, ouve missa e come à mesa com o padre... só porque o obrigaram!
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O Vinhas do Cruzeiro tem a cor da tinta de escrever (só que em notas encarnadas), densas, profundas, misteriosas; pouco grau (11) e tem um aroma limpo. O que não percebo é a acidez. O que fizeram dela? Está castrada.
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Não estando a dizer mal para dizer bem, não fazendo o favor a ninguém, digo que gostei com sinceridade. Defeito? Fizeram-no perfeitinho.
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Ninguém nasce ensinado e não sou ninguém para dar lições de enologia a ninguém. Se fosse eu a fazer, faria certamente muitíssimo pior.
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Conselho aos fazedores: para a próxima amordacem o professor ou anotem mal os valores que lhe fornecem e façam uma rave na adega (oiçam e dancem house, free jazz e Quim Barreiros enquanto o fazem). Partam isso tudo! Ponham o vinhão a dizer palavrões! Essa é a tradição! C******!
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Origem: Vinho Verde
Produtor: Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Ponte de Lima
Nota: X
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Nota 1: Tenho a escrita dos vinhos atrasada e este entra à fascista.

quarta-feira, agosto 14, 2013

Herdade da Bombeira 2009

Dos dois milhões de critérios e conjugações de alíneas, momentos e contingências para escolher um vinho... escolhi este (não esta colheita) por causa dum serzinho de quatro anos, dos quais com 4.000 de ternura.
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Corria o ano de 2005 e namorava eu uma moça (a G) que tinha uma filha linda (linda mesmo) e muito doce (docíssima). A P era uma paixão de se cair para o lado. Para se ter uma melhor ideia da P... coisa dum ano depois, estava eu com uma nova namorada, a V, e cruzei-me com a G e sua filha. Encontro que não foi longo, mas que deu para V, muito habituada a lidar com crianças, entender e afirmar:
 – Como é possível alguém não se apaixonar por esta miúda?
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Tranquilos! Sossegados! Não houve sangue! Tudo bem! Tudo bem!
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Voltando a 2005... a P é a «mãe» da minha gata Paraquedas. Gata que já se chamava Paraquedas antes de ela a ver, e que foi tida na ninhada da gata do meu irmão – a par da Amiguinha, cuja narrativa é excessiva para aqui. A Paraquedas que é irmã, embora doutra ninhada, da Granita e da Lioz, 11 meses mais velhas. Por enredos dispensáveis ao tema, a Paraquedas acabou minha e, visto a forma como ficou, pode dizer-se que caiu de paraquedas em minha casa.
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Uma vez mais, voltando a 2005 e à P... a miúda dizia querer ser bombeira. Ok, por que não? Há os que querem ser astronautas... outros médicos... professores... eu queria ser calceteiro. Como também quis ser bombeiro, razão pela qual o meu pai foi cravar, e conseguiu, um capacete... achei absolutamente compreensível que a P também quisesse ser bombeira.
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Uma tarde, passeava eu sem rumo (mais ou menos), olhei para a montra duma loja em Campo de Ourique... ok, a Garrafeira Campo de Ourique, dos meus amigos... e estava uma garrafa de Herdade da Bombeira.
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Todos já comprámos coisas só porque combinam com qualquer coisa, independentemente de terem um sentido com sentido: uma gravata azul branca para oferecer a um fanático do Benfica, após perder o campeonato para o Porto; um porta-chaves do café «O Careca» ao amigo calvo; um busto de Lenine para um anti-comunista universitário; uma edição do jornal Avante do dia do nascimento daquele cromo que teima em ser fascista... um disco do David Bowie a alguém que nasceu no mesmo dia, ainda que não aprecie a sua música (eu – as duas coisas)...
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Pois! Herdade da Bombeira prestou-se mesmo para um jantar com a G e sua partenaire. Assim foi. Correu bem... e o vinho esteve mesmo bem... sem qualquer avaliação subjectiva. Tratou-se da edição de 2004, à qual atribuí a nota claramente positiva de 4,5.
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Para ser sincero, não me lembro do vinho. Lembro-me da miúda e da sua fantasia profissional. Lembro-me da mãe da catraia, que é pessoa de quem só posso dizer bem. Lembro-me do momento... do vinho, não.
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Por todas as notas atrás referidas, Herdade da Bombeira não mais me sairá da memória, a menos que uma doença degenerativa me corroa os miolos. Se todas as avaliações são subjectivas, e as expressas neste blogue são-no o «mais possível»; e nunca este vinho terá uma menção negativa.
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Ok, se fosse vinagre... e do mau, não o elogiaria. Não é o caso. Acresce que o vinho é bom, agora refiro-me à vindima em causa, embora tenha tido sempre ecos muito favoráveis doutras vintage. Mas bebidos por mim, só 2004 e 2009.
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Justificar uma nota? Para mim, tal é sempre subjectivo; tenha copos pretos, temperaturas ajustadas, sejam as garrafas escondidas. Tudo depende de muita coisa. Este blogue não é feito mais do que impressões pessoais, falíveis, com erros de paralaxe, de miopia, de hipermetropia... é sincero e honesto. E sinceramente, apesar de tudo o que adiantei, este é um belo vinho.
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Sendo tudo subjectivo e assumindo isso no ADN deste blogue, qualquer análise vai forçosamente errar na justiça, seja por excesso, seja por defeito, via complexo emocional tentado reparar...  já perceberam. Porém, não falha na verdade, na do seu autor. Represento-me a mim e só a mim. Tenho a presunção de ter alguma coisa a contar; e o que quero é «contar histórias, estórias», não definir padrões ou ditar sentenças.
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Faço, tento, o exercício da imparcialidade... não consigo. E neste vinho, não consigo mesmo. Tenho distanciamento para dizer que é um vinho de qualidade. Direi o que me vai na alma: muito bom!
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A história é esta! Quanto à adjectivação, cada um leia como quiser.
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Factual: a herdade fica no concelho de Mértola, na margem direita do Guadiana. As castas que compõem o lote são: trincadeira, cabernet sauvignon, syrah e alicante bouschet.
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Finalmente: se já o disse e escrevi bastas vezes, embora frequentemente ceda ao protocolo, os descritores não me interessam nada e, na verdade, não indicam nada, a menos que apontem defeitos. Tendo isto em consideração e mais ao que disse, não vou perfilar narizes nem paladares.
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Origem: Regional Alentejano
Produtor: Bombeira do Guadiana

Nota: 6/10

sábado, agosto 10, 2013

Tons de Duorum Branco 2012

Vou entrar em partilha de intimidade.
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A A que, há coisa de dois anos, quase afirmava que o vinho era todo igual já não o faz. A A tem um feliz descomplexo: gosta, gosta, não gosta, não gosta. Não é nem quer ser uma intelectual do vinho. O vinho é pra fruição. Bingo!
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A miúda às vezes tem cismas e ultimamente anda numa de carnicha, não. Embora na véspera lhe tenha feito tragar umas fatiínhas de lombo de porco, o dia a que se reporta o texto foi de «não carne».
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Umas cenourinhas (não é diminutivo bacoco, ao jeito português... cafézinho, copinho, bolinho, continha) avinagradas, uns tomates pêra (já por si uns diminutivos), umas massas (massinhas) com uma forma escanifobética (tipo lacinhos) que o M (cinco anos) chamou de medusas (rosa, encarnado, amarelo, laranja e verde), salada de eruca selvagem e agrião e (non sense) queijos: Queijo de Azeitão, Queijo Picante da Beira Baixa (antes conhecia-o por Castelo Branco) e queijo de ovelha semi-curado de Seia. O M inventou um molho (o M gosta de ir cozinhar comigo, que o deixo inventar, desde que coma o que inventou) com azeite, vinagre balsâmico, flor-de-sal com limão, açafrão, caril e canela, que ficou catita (pasmem-se).
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Como diz o M (e com toda a razão) que quem manda cá em casa sou eu (é instintivo, os putos sabem), ordenei à A que escolhesse o vinho. Foi directamente aos brancos (não tenho perdido o latim) e escolheu o Tons de Duorum 2012. Perguntei-lhe o critério, mas como a resposta não fazia qualquer sentido, achei que Deus criou o acaso para justificar a razão feminina... xiu! Ela não pode saber que escrevi isto... Não percebi a razão, mas penso que acertou na mosca.
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Porque esta «democracia» está estabelecida em alicerces perfeitamente definidos, a A, quando escolhe um vinho (e quando não escolhe), é obrigada à tarefa de descrever o vinho (coisa que não interessa quase nada... é assim tipo palavras-cruzadas), à qual dou umas dicas, ora para ajudar, ora para desajudar. Esclareço que a A, nessa arte desnecessária da adivinhação, se sai muito bem.
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Ora, em termos olfactivos o que encontrámos? Manga, algo de maracujá e um pouco de abacaxi. Mal levantou o copo disse: é fresco! Pois é. Tanto quanto o é na boca. Fresco, suave e deslizante.
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Origem: Douro
Produtor: Duorum Vinhos
Nota: 5,5/10

sexta-feira, agosto 09, 2013

Quinta do Monte Xisto 2011

Há projectos vínicos para todos os gostos: os que se herdam, os grandes, os megalómanos, os pirosos, os pretensiosos, os modestos, os poéticos ou românticos, os nostálgicos, os filosóficos, os d’hoje-prá-amanhã, os vai-se-fazendo... haverá mais, mas basta.
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O Quinta do Monte Xisto está na categoria dos vai-se-fazendo, com uma parte de romântico, com toques de poético e filosófico, estes dois que se interligam e não se sabe bem onde está um e o outro.
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Justifico: poético, porque há todo um despojamento de brilho e adorno que remete para a felicidade. Filosófico, porque tudo tem um sentido e uma lógica, resultante de pensamento, diálogo e ponderação. Romântico, porque se faz no afecto duma família (pai, mãe e três filhos), que transmite (sabe-se pela conversa) esse amor à viticultura e ao campo. A componente vai-se-fazendo é porque passaram-se 20 anos (vinte) até que saísse o primeiro vinho. Tudo comprado com dinheiro da algibeira, sem empréstimos nem alavancagens.
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A espera valeu. É um GANDA vinho! A colheita de 2011, ano dourado no Douro, foi posta ao léu em Julho, e arrebata. Não acredito (completamente) que outras, experiências e protótipos, não tivessem qualidade para os enófilos. Dou o meu cavalo, espada e feudo para provar esses números-zero, usando a linguagem dos jornais,
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Antes que me esqueça; a equipa é formada pelo casal João Nicolau de Almeida e Graça Eça de Queiroz Cabral, e pelos filhos Mateus, João e Mafalda. Já se percebeu pelo apelido que não são paraquedistas que saltaram de algures e caíram no Douro. São gerações e trabalho e reconhecimento.
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Tudo começou num passeio (ou algo vagamente parecido) de João Nicolau de Aldeia (pai) numa zona do concelho de Vila Nova de Foz Côa. Alguém o chamou para ver uma parcela de terreno que estava a venda. Viu, gostou, negociou, comprou, patati-patata, quis mais, patati-patata , andou anos atrás de quem quisesse vender e de quem ainda teria de assinar... o calvário do costume quando se quer comprar terra em Portugal; tudo micro, tudo dividido por 20 gerações sem partilhas assentes, herdeiros que não se entendem, muita conversa para convencer a vender... Calvário, já disse. É ainda mais complicado, mas basta.
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A «quinta» não tinha nome, porque não existia. Chamaram-lhe do Monte Xisto, porque é isso que a forma. Fica em Vale de Cobrões, mas o nome não dava jeito e lembrava vale de cabrões... quiçá não terá sido esse o topónimo original. O cerro situa-se entre os 250 e os 320 metros de altitude, tem vertentes voltadas a Norte e a Sul. Mais complexidade?
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Foram 12 anos para conseguir juntar 40 hectares dum cerro de xisto sem grande uso. Um calhau com algumas oliveiras muito velhas e pouco mais (espero que se lembre de fazer azeite). Em 2003, a família Nicolau de Almeida plantou dez hectares de vinha, quase toda tinta. A uva branca que lá há, da casta rabigato, talvez possa um dia dar à luz umas garrafas.
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Os dez hectares de vinha são compostos (a grosso modo) por touriga nacional (5,5 hectares), touriga franca (2), sousão (1), rabigato (0,5), tinta francisca (0,5) e tinto cão (0,5). Há ainda umas pequenas parcelas de tinta roriz, touriga brasileira, tinta barroca, tinta da barca e alicante bouschet.
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Fizeram-se várias experiências com castas, todas do Douro. Porém, a natureza não é toda igual, mesmo numa mesma sub-região. Algumas uvas não se deram bem. De toda esta paleta de uvas, aproveitaram-se para este vinho as de touriga nacional, touriga franca e sousão.
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Vinha cultivada em modo de produção biológico. O rótulo não mostra, porque não é ideia vender «bio». Não é um projecto de filosofia «bio» (que só por si não é nem bom nem mau), mas de aproveitamento do que a natureza dá. As condições naturais do Monte Xisto permitem que seja bio, sem remorosos nem dúvidas. E João Nicolau de Almeida sabe ao que cheiram e sabem umas «mesmas» uvas tratadas com produtos de síntese doutras que ficam apenas empoeiradas.
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Os Nicolau de Almeida quiseram ter o Douro dentro da garrafa... mais do que a região, quiseram o local. O monte de xisto, que foi trucidado por três vezes até que desse solo arável, entregou a sua mineralidade. As uvas foram pisadas a pé em lagares de granito e o vinho estagiou 18 meses em pipas de carvalhos francês e austríaco.
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Este vinho é um encanto. Arrebatador, mas não tirano. Sedutor, mas não possessivo. Profundo, mas não sombrio. Na difícil tarefa de escolher uma só palavra para o definir, exercício estúpido e masoquista a que me submeto voluntariamente, direi: majestade.
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É um mundo num copo. Vinho de enorme complexidade, em que aromas dançam sem se substituírem, que evoluem com o tempo no copo sem se despedirem do provador. Vão e regressam. Brincam às escondidas e à apanhada. Que aromas!
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No folguedo olfactivo dançaram rosas, violetas, pétalas de laranjeira (!), uma pitada de casca de laranja, cerejas, ameixas, romãs, um toque de noz-moscada e de cravinho... e xisto. Os seus perigosos 14 graus de álcool são mansinhos. Diria que sonsos, pois a frescura deste vinho camufla-os e quando nos levantamos é que percebemos... O corpo tem uma dimensão... talvez uma quinta dimensão. É um Bentley (desde que visitei a fábrica que ando com a ideia fixa de ter um) em aceleração. Pesado? Não! Colossal. Desliza elegante, avança suave, com densidade. Profundo, seco, longo, com garra. Um final bombástico.
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A estreia não poderia ter sido melhor!
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Origem: Douro
Produtor: João Nicolau de Almeida & Filhos
Nota: 9/10