sábado, agosto 12, 2023

Descritores

 

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Descrever um vinho pode ser interessante, mas é, muitas vezes, irrelevante ou até enfadonho.
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Há quem não identifique algumas características, muitas ou quase todas. Será por desatenção, falta de memória ou porque nunca conheceu o que se pode encontrar. Não é pecado e nem sequer importante, porque só vale o prazer.
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Há quem seja sobredotado e culto e encontre muita coisa no vinho. Há quem seja mentiroso e descubra tudo. Há quem seja pantomineiro habilidoso e ache quase tudo.
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Quantas pessoas – fora do mundo do vinho mas que o apreciam – vão comprar «frutos vermelhos», «notas balsâmicas» ou «relva cortada»? Isso importa? Ora, ora... bons e maus vinhos, com os outros pelo meio, partilham descritores.
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Contudo, apreciar sem dar atenção ao que nos dá é pobre, forma pobrezinha de beber um vinho. Adiante, adiante. Quem me lê – leu, porque muito raramente escrevo – sabe que marimbo-me bastante para listas e enxoto o parlapiê engomadinho, como se vestindo fraque na praia.

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Nas muitas coisas que bebi, com qualidade variável, encontrei três descritores que teimam na memória: um Vinho do Porto com aroma a cannabis; um tinto e um branco com aroma a coentros; e este, que ilustra o texto, que me levou à infância... Sugus de ananás.

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 Não era mau, mas sem grande interesse

quinta-feira, março 04, 2021

Colecção Privada DSF – quatro vinhos para 40 vindimas

A minha relação com o blogue parece-se com a dalguns casais separados. Afastam-se, porque querem dar um tempo, mas ligam-se passado uma semana. Um mês depois tomam um café. Mais tarde três semanas vão ao cinema. Dois dias depois vão ao «cinema». Arrependidos, dizem que é melhor dar um tempo.

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Prometi-me não escrever. Anunciei ao mundo que terminara. Disse-o a quem não me tinha ouvido. Quase gritei a quem me continuou a incentivar a escrever. Porém… depois há os amigos… Há maneira de se recusar a um amigo? Por isso, surge este texto.

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O que fez, desta vez, Domingos Soares Franco? Três monovarietais tranquilos e um Setúbal especial de corrida, que outrora tinha sido apresentado – trata-se dum relançamento. Assinados, como habitualmente, Colecção Privada DSF.

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Domingos Soares Franco tem conhecimento técnico, cultura e curiosidade. Somando a imaginação, surge com ideia e conceito. A isso acrescenta-se a intervenção duma equipa técnica de grande competência e abertura de espírito.

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Agora acresce um dado: 40 vindimas dum dos maiores mestres da enologia. Domingos Soares Franco é verdadeiramente um artista e que tem em Paulo Hortas alguém que o pode chamar à Terra, dizer-lhe que pode ir mais além e que assina uma destas quatro obras de arte. Amigos e que trabalham juntos há 35 anos.

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Colecção Privada DSF Riesling 2019, Colecção Privada DSF, classificado apenas como «Vinho de Mesa», resulta de uvas plantadas em Trás-os-Montes, numa propriedade de Paulo Hortas. O solo granítico situa-se a 630 metros de altitude.

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Diz Domingos Soares Franco:

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– Perguntou-me, em Maio de 2019, se eu estaria interessado em ficar com as suas uvas. A minha resposta foi imediata; «venham lá essas famosas uvas riesling». O Paulo fermentou-as, com elevado cuidado e carinho, a seu belo prazer.

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Se Paulo Hortas e Domingos Soares Franco dizem que a longevidade vai aos 15 anos após o engarrafamento – acontecido em Maio do ano passado – é porque é verdade. Eu, que sou atrevido, duvido, justificando com a conhecida vida dos vinhos desta casta.

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Cá em casa, os riesling são muito apreciados… veremos até quando resistiremos à tentação de abrir uma das que temos guardadas…

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O Colecção Privada Cabernet Sauvignon 2017 é um Regional Península de Setúbal. Envelhecido sem madeira, tem longevidade prevista a 15 anos após o engarrafamento – Fevereiro de 2019. As uvas nasceram em solo argilo-calcário. Não é o primeiro vinho, desta variedade na região, com grande qualidade. Aqui fugiu do pimento e do pimentão, muito característicos dos nascidos em Portugal.

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O Colecção Privada Malbec 2017 é também um Regional Península de Setúbal. As uvas vieram igualmente de solo argilo-calcário. O envelhecimento foi sem madeira e a longevidade prevista é de 15 anos após o engarrafamento – Abril de 2019.

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Por fim, um vinho relançado. O Colecção Privada DSF Moscatel de Setúbal Superior 2001 Cognac – não sei se a formulação é exactamente como escrevi, mas tem os elementos referidos no rótulo. Este é um daqueles vinhos que, com justiça, se podem classificar como luxo, dado os seus requintes e singularidade.

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A razão da designação Cognac deve-se à aguardente, utilizada para parar a fermentação, provir dessa região demarcada francesa. O envelhecimento fez-se em barricas usadas. Vinhos com estas características vivem muitos anos, pelo que não tem data de falecimento.

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Colecção Privada DSF Riesling 2019

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Origem: Vinho de Mesa (Trás-os-Montes)

Produtor: José Maria da Fonseca

Nota: 8/10

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Colecção Privada DSF Cabernet Sauvignon 2017

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Origem: Regional Península de Setúbal

Produtor: José Maria da Fonseca

Nota: 8/10

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Colecção Privada DSF Malbec 2017

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Origem: Regional Península de Setúbal

Produtor: José Maria da Fonseca

Nota: 8/10

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Colecção Privada DSF Moscatel de Setúbal Superior 2001

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Origem: Setúbal Superior

Produtor: José Maria da Fonseca

Nota: 9/10

terça-feira, maio 07, 2019

Estrela da Sé, por causa do santo António


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Comi a melhor musse de chocolate. Quase aos cinquenta, o doce das crianças é-me, sem qualquer memória daquela, qualquer coisa que, não o sendo, é luz, por falta duma banal palavra – acontece falhar um termo no conceito-língua. Como pude esperar. Aguardei porque há o dom da ignorância e do privilégio do conhecimento.
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Não pergunto, sou claro: como pude esperar. Graças – a quem ou quê, na falta doutra coisa-ser – ao dom da ignorância e do privilégio do conhecimento.
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O resto já sabia. É comida do sempre, da Lisboa do meu pai – a minha mãe não é daqui. Dá tanto trabalho explicar, muito mais do que dizer. Vagamente, guardando por pirraça, sedução ou impaciência.
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Se não sabem, leiam a cidade inexistente – ainda antes dos turistas a ocuparem –, passem os olhos pelas ruas fixadas na verdade das fotografias e na infidelidade dos traços.
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Se não sabem é porque foram morrendo, movendo-se para a borda da terra e sem vergonha de perderem a aldeia da foz do Tejo – todas as aldeias definham, assim Lisboa.
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Perto da Sé, só não conhece o milagre da sobrevivência quem não olha para cima nem para baixo, apenasmente para uma coisa qualquer que nos livrinhos e cibernáticos se lêem.
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A Estrela da Sé existe, não está escondida, não foi devassada e é uma verdade, porque não é quem não é. Não finge o passado nem se nega a qualquer vento de feição que possa soprar para a tal-coisa-que-preguiçosamente-se-chamará-luz.
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Há as ceboladas, os bacalhaus, as veganices e a musse de chocolate.
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A musse tem segredo à vista como a casa de pasto. Não se esconde nem se exibe. Só não vê quem.
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A Estrela da Sé é o que é e tenho a certeza de quem ama o que faz – e com a chave da porta da mina de ouro – é fiel, não se vai embora, porque pertence à cidade.
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Só quem não leu a cidade pode incompreender.
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Nota 1: voltei hoje ao Estrela da Sé, por milagre de Santo António, taumaturco com o menino que o meu pai pintou e ficou para o Museu de Santo António – ali juntinho à Sé Patriarcal de Lisboa.
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Nota 2: A qualidade da imagem é péssima, não por culpa do pintor, mas do fotógrafo (eu).
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sexta-feira, agosto 03, 2018

Quinta da Leda 2015


O Quinta da Leda 2015 mantém o que é e expressa a região. Na garrafa encontro o Douro, denso, o fumo de azinho, a secura da esteva, a lembrança da terra xistosa, a fruta preta, a potência, o corpo e a alma.
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As suas castas são as notáveis da região, como a minha adorada, touriga franca (50%), touriga nacional (20%), tinta roriz (15%) e tinto cão (15%). Viveu 18 meses em barricas de carvalho francês.
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Esqueçam-no no Verão. Bebam-no no Natal – quando apetecerem comidas mais quentes – ou guardem-no, pois vai melhorar.
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Quinta da Leda 2015
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Origem: Douro
Produtor: Casa Ferreirinha / Sogrape
Nota: 8,5/10
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Nota: Este vinho foi enviado para prova pelo produtor.

Chateau de Myrat 2010

O vinho de colheita tardia – especialmente quando está, por inteiro, afectado pelo fungo botrytis cinérea – é um esplendor. Tenho pena de não ter algibeira, fígado e índole (?) corporal para os beber mais vezes.
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Descobri o Chateau de Myrat 2010 no aeroporto Charles de Gaulle, num passeio para apaziguar o tédio. Foi um tiro no escuro. Se o preço das coisas fosse justo ou unânime a avaliação seria fácil. Portanto, não sei se comprei barato.
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Tem tudo o que gosto nestes vinhos: gulodice civilizada, o amargor suave criado pelo fungo, elegância na boca e final demorado.
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Chateau de Myrat 2010
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Origem: Sauternes
Produtor: Chateau de Myrat 2010
Nota: 8/10

quinta-feira, agosto 02, 2018

Azevedo Loureiro Alvarinho 2017 + Quinta de Azevedo Reserva 2017

A reputação da região do Vinho Verde é ainda muito marcada pelos preços baixos e, infelizmente muitos casos, produtores que deviam estar quietos. A gaseificação é um terror. Contudo,

O Vinho Verde tem um enorme potencial e grandes empresas – umas que já trabalham bem  há muitos anos – têm-se interessado pela região. Claro que é pelos seus lindos olhos: frescura.
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A região tem tanto carácter que muitos julgam tratar-se de um tipo de vinho. Por outro lado, infelizmente, há uma percepção de preço baixo. Alguma coisa vai mudar, as empresas maiores não são conformistas e farão pôr outros a mexer.
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Não duvido do efeito marca. O Vinho Verde é fresco e agradável, satisfaz toda a gente. Porém, a percepção do valor penaliza-o. Aqui, sobretudo o Quinta de Azevedo Reserva 2017, os vinhos teriam outro preço, se viessem doutros locais.
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Fazendo-me de bruxo, acredito que vão emergir pequenos produtores empenhados na produção em qualidade. Continuando a brincar de adivinho, duvido que a maioria das firmas tenha coragem para mudar, ficando no que é.
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A Sogrape, a maior empresa portuguesa do sector, quer estar além do Gazela. A Quinta de Azevedo, situada no concelho de Barcelos e adquirida em 1980, tem agora um papel mais importante. Um branco para consumo à mesa e à conversa e outro mais exigente, em que se pretende captar a energia da propriedade.
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O Azevedo Loureiro Alvarinho 2017 vai bem para a mesa, talvez além das saladas, frango e peixe – sendo que esta última debito sabedoria por empréstimo, ouvindo e fazendo contas ao que se pode sentir e apreciar. Alimenta também as conversas do Verão, quando o trabalho do dia seguinte é mergulhar no mar ou andar às cabeçadas nas aldeias – as férias inteiramente bucólicas têm alguma coisa que me incomoda.
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Para quem trabalha bem, o «mais sério» não existe. Por isso, o Quinta de Azevedo Reserva 2017 não pode ser mais sério do que o anterior. Recorro à expressão para transmitir a percepção sensorial e o prazer que fica para lá da época estival.
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O Quinta de Azevedo Reserva 2017 é um lote de loureiro (70%) e alvarinho (30%). Se António Braga (enólogo) diz que é assim, é porque é mesmo. Esta afirmação está ligada à estória da minha antipatia pelo Esteva, pelo qual era o responsável. Nesse debate, jurou-me que haveria de o apreciar. Apostámos e ele ganhou.
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Não é um vinho para o Verão, no sentido de consumo imediato e com viandas leves. Botem-lhe pratos mais elaborados e ele marca golos – esqueçam o cozido à portuguesa… mas rojões, talvez, talvez.
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Azevedo Loureiro Alvarinho 2017
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Origem: Vinho Verde
Produtor: Sogrape
Nota: 5,5/10
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Quinta de Azevedo Reserva 2017
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Origem: Vinho Verde
Produtor: Sogrape
Nota: 6,5/10
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Nota: Estes vinhos foram enviados para prova pelo produtor.

Quinta de Pancas Arinto Reserva 2015 + Quinta de Pancas Chardonnay Reserva 2015 + Quinta de Pancas Reserva 2014 Cabernet Sauvignon Alicante Bouschet & Sirah + Quinta de Pancas Grande Reserva 2013

A Quinta de Pancas é uma propriedade de referência. O tempo vale o que vale e, neste caso, a memória está um pouco longe – parte por demérito e parte por Portugal ter conhecido uma explosão de bons produtores. Todavia, de há uns ano que se vê o esforço para a recuperação da fama e, felizmente, com resultados.
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Fingindo perceber de técnicas agrícolas e enológicas, a lembrança e o presente dizem-me que só se fará mau vinho por vontade. Ficou conhecida pelo seu cabernet sauvignon.
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O Quinta de Pancas Arinto Reserva 2015 é qualquer coisa de… adoro a casta e a propriedade tem um encanto…
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O Quinta de Pancas Chardonnay Reserva 2015 está lindo. Aliando a gordura ao frescor do local. Belo.
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O Quinta de Pancas Reserva 2014 Cabernet Sauvignon Alicante Bouschet & Sirah é. Não sei explicar. Sinto-o uma união – bom casamento – das diferentes cultivares além do que esperava.
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O Quinta de Pancas Grande Reserva Tinto 2013 está num patamar acima. Ganhou complexidade com o tempo e penso que poderá crescer. É uma junção de touriga nacional (50%), alicante bouschet (30%) e petit verdot (20%).
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Quinta de Pancas Arinto Reserva 2015
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Origem: Regional Lisboa
Produtor: Quinta de Pancas
Nota: 6,5/10
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Quinta de Pancas Chardonnay Reserva 2015
Origem: Regional Lisboa
Produtor: Quinta de Pancas
Nota: 6/10
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Quinta de Pancas Reserva 2014 Cabernet Sauvignon Alicante Bouschet & Sirah
Origem: Regional Lisboa
Produtor: Quinta de Pancas
Nota: 6/10
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Quinta de Pancas Grande Reserva 2013
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Nota: Estes vinhos foram enviados para prova pelo produtor.

quarta-feira, agosto 01, 2018

Monólogo Arinto 2017 + Monólogo Avesso 2017 + Monólogo Chardonnay 2017

Monólogo à mesa é uma chatice. Mais dedos tenho nos dedos do que as celebrações jantarícias foram a só e mais vinho.
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Por isso, acho graça quando se chama monólogo a um vinho. O termo é fácil de entender: monovarietais.
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O Monólogo Avesso 2017 (mais) uma prova que esta casta foi maltratada. Quem não conheça, que! Fresco e gastronómica, além de simpatizar numa conversa sem tempo.
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O Monólogo Arinto 2017 é… opá! Acho que a casta branca portuguesa que mais gosto é a arinto. Antigamente, no Minho chamavam-lhe pedernã. Não sei se a nomenclatura mudou, mas a designação «antiga» parece-me feia. É fresco, para a mesa e para a conversa.
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Costumo rabujar com castas estrangeiras quando estão em denominações de origem tradicionais. Se passam para regionais, aí é diferente. Por isso, um chardonnay minhoto não me horroriza.
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O Monólogo Chardonnay 2017 tem um simpático oscilar entre a gordura destas uvas e a acidez da região. Face a anos anteriores, gostei mais deste.


Monólogo Arinto 2017
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Origem: Vinho Verde
Produtor: A&D Wines
Nota: 6,5/10
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Monólogo Avesso 2017
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Origem:
Produtor: A&D Wines
Nota: 6,5/10
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Monólogo Chardonnay 2017
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Origem: Regional Minho
Produtor: A&D Wines
Nota: 6,5/10
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Nota: Estes vinhos foram enviados para prova pelo produtor.

Vila Flor Reserva Tinto 2015


A Casa d’Arrochella tem vindo a desenvolver um trabalho consistente. Na qualidade e na credibilidade. O Vila Flor Reserva Tinto 2015 cumpre o que se tem feito nesta firma do Douro.
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O Vila Flor Reserva Tinto 2015 fez-se com três das principais casata da região: touriga nacional, touriga franca e tinta roriz. O vinho estagiou nove meses em barricas de carvalho francês.
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É o Douro.
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Origem: Douro
Produtor: Casa d’Arrochella
Nota: 7/10
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Nota: Este vinho foi enviado para prova pelo produtor.

terça-feira, julho 31, 2018

Portalegre 2015


Os vinhos Portalegre fazem parte da minha história. Quando comecei a levar este óbi mais a sério, estes faziam parte do catálogo de preferências.
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A Adega Cooperativa de Portalegre afundou-se, como muitas outras. Renasceu como Adega de Portalegre Winery, que tem à frente Manuel Rocha, que bom trabalho fez na Companhia das Quintas e na Adega Cooperativa de Borba.
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É um projecto novo, com uma designação algo diferente, com um gestor reconhecido… São vinhos diferentes, aqueles que agora lá se fazem
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Porém, o prazer que me deu Portalegre 2015 lembra-me – embora não seja nostálgico – um tempo em que tudo me é diferente. Não é igual – como se pudesse ser – mas está cá a memória.
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Este fez-se castelão, aragonês, trincadeira, grand noir e alicante bouschet. Estagiou 18 meses em barricas de carvalho francês.
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Portalegre 2015
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Origem: Alentejo
Produtor: Adega de Portalegre Winery
Nota: 7,5/10
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Nota: Este vinho foi enviado para prova pelo produtor.