
Quando o vinho não se vende e os anos passam e a decadência se mantém há três opções a tomar: abandonar o negócio, deixar tudo na mesma até que o mercado venha hipoteticamente a dar a volta ou mudar alguma coisa e ir ao encontro dos consumidores. Entre estas opções há zonas de charneira, de diferentes batimentos de luz, que permitem soluções várias.
Cada uma destas posturas é revestida por discursos: a culpa ou o mérito está nos próprios, a culpa ou o mérito está nos outros ou a culpa e o mérito trabalham-se porque estão em nos próprios e em factores exógenos. O discurso da inveja tende a pôr a culpa apenas nos outros.
Parece-me claro que é nítido para toda a gente que o Alentejo é a região vitivinícola de maior sucesso em Portugal. Goste-se ou não do perfil genérico dos seus vinhos. Os alentejanos têm batalhado pelo sucesso e têm, felizmente para eles, conseguido o reconhecimento do mercado. Há algum mal nisto? Sabe-se também que o Douro está irrequieto e que, pelo menos, para os enófilos há um forte reconhecimento do trabalho ali desenvolvido. Haverá algum mal nisso?
Isto vem a propósito de ler e ouvir comentários depreciativos sobre o gosto do mercado por vinhos mais novos, uma tendência que tem prejudicado produtores de Denominações de Origem Controlada onde o vinho necessita de espera. Bem, o lamento é legítimo, o tom da choradeira e o permanente queixume é que se tornam intoleráveis: Façam-se à vida.
Façam-se à vida, porque o mundo não pára! Façam-se à vida, porque há uma falsa questão no lamento choroso. Numa sociedade de consumo uma dose grande do sucesso passa pela promoção, divulgação e publicitação dos produtos. Não é, por isso, líquido que o sucesso dos vinhos do Alentejo e do Douro (dou estas duas designações porque são as comummente alvo dos ataques) seja apenas por serem novos e fáceis de beber.
Acresce que em todas as regiões existem os chamados vinhos de combate, onde o factor preço é determinante, que são os de grande consumo. Será que o consumidor que está mais atento ao preço vai ligar assim tanto à proveniência? Se em todas as regiões há vinhos de grande consumo refira-se o preço médio das do hectolitro por região plano, por ordem crescente: Beiras (2,31 tinto e 1,79 branco), Estremadura (2,66 tinto e 2,16 branco), Trás-os-Montes (2,59 tinto e 2,17 branco), Ribatejo (3,11 tinto e 2,50 branco), Península de Setúbal (3,17 tinto e 2,50 branco) e Alentejo (6,67 tinto e 4,17 branco). O preço médio no continente é de 2,90 para o tinto e 2,35 para o branco.
Estes números deviam fazer corar de vergonha quem faz o discurso da inveja. Ora, os alentejanos mesmo com o preço médio da matéria-prima mais caro conseguem fazer vinho a preço competitivo. Por outro lado, o Douro (incluído em Trás-os-Montes) tem sucesso com valores abaixo da média. Portanto, os produtores durienses sobrevivem mesmo em viticultura de montanha. É óbvio só o preço da matéria-prima faz parte do custo, mas entre essas vantagens e desvantagens estão as regiões em pé de igualdade. É claro que nem só preço pesa na escolha do consumidor, mas é para ultrapassar as desvantagens que é preciso trabalhar e não choramingar invejas.
Façam-se à vida em vez de olhar com invejas para o sucesso dos outros, de culpar os jornalistas pela mudança de paradigma do gosto dos consumidores e de julgar os consumidores e os enófilos como acríticos e acéfalos. A atitude de nada fazer é idêntica à da dança da chuva ou a de ficar sentado à espera que o mundo dê a volta e venha ter connosco.
Não se trata de deixar de fazer vinho como querem ou como sempre fizeram, mas de o saber vender. Em vez de ficarem sentados à espera, apenas com um cartaz à porta da adega, talvez seja melhor mexerem-se.Um exemplo: outro dia entrei num restaurante e entrou-me uma garrafa de vinho da Bairrada pelos olhos. Pedi e bebi-a. Disse-me o dono do estabelecimento que desde que a empresa pediu para ali colocar aquele mostruário aumentaram as vendas. Simples, não? É apenas um pequeno gesto individual dum produtor. Muito mais se pede aos produtores, em conjunto, duma região. Façam-se à vida e não lamentem a alegada sorte dos outros, que é fruto do seu trabalho.
Aliás, o queixume é até injusto para os produtores que individualmente têm sucesso nas regiões produtores menos favorecidas pelas escolhas do mercado. Só para citar alguns casos de qualidade , porque é impossível nomear todos: Luís Pato, Manuel dos Santos Campolargo, Quinta das Bágeiras, Quinta do Monte d'Oiro, Quinta da Lagoalva de Cima.
Num mundo global e quase instantâneo é notável como é que só algumas Comissões Vitivinícolas Regionais (CVR) têm páginas na internet. As páginas das CVR são pesadas, feias, má leitura, com introduções pesadas e escusadas. São poucas e há que há... Bem, a do Alentejo é claramente a melhor, embora a do Douro e Porto não seja nada má. É que saber vender não é apenas pôr o selo com o preço direitinho. Depois, ainda estranham!...