O cerimonial à mesa evoluiu com o passar dos tempos. Hoje estamos sentados frente aos pratos de forma distinta da que estavam os nossos antepassados.
Há hábitos portugueses, manias espanholas, tradições alemãs, inovações americanas, informalismos brasileiros... Mas de forma genérica, actualmente nas sociedades ocidentais está-se de forma idêntica nos repastos. O cerimonial é mais ou menos o menos. Pode ser mais ou menos formal, há diferentes protocolos, diveregentes formas de sentar, mas ninguém se estranha.
Contudo, a humanidade não se alimenta toda da mesma forma. Nem mesmo nós, no Ocidente, tivemos sempre os mesmos cuidados, aprumos e rotinas. Quotidianamente dizemos pôr a mesa. Porém, o objecto de mobiliário está já posto no sítio, é um mono, mais ou menos móvel, mais ou menos compacto. A expressão pôr a mesa resulta de durante muitos anos não existir nas casas uma divisão dedicada à alimentação. Os repastos aconteciam onde apetecia estar ou onde convinha e aí se punha a mesa. Agora, a expressão significa colocar uma toalha e distribuir as alfaias alimentares sobre o pano.
Na Idade Média era uma honra servir o Rei. À mesa, a carne era cortada e servida pelo trinchante-mor. Não era um criado, mas um importante e influente fidalgo. Se trinchante é trinchante, já mordomo tinha outro significado daquele que tem hoje.
Para não alongar as palavras ou fazer deste texto um tratado sobre acepipes intelectuais, aproximo-me da actualidade. Constato que num espaço de tempo curto, em vinte anos, as modificações de comportamento na restauração.
Em primeiro lugar, quero referir que é óbvio que hoje há melhor restauração, gente mais bem preparada na cozinha e nas salas, do que nas décadas de 80 e 90. O panorama melhorou bastante em Portugal. Portanto, não vou fazer um discurso da miséria. Porém, vou chamar à atenção para alguns sinais de infelicidade que também se fazem sentir.
Lembro-me de as refeições virem em travessas e serem servidas pelos empregados, mesmo em casas modestas. Depois de virem apenas em travessas. Posteriormente, a regra passou a ser servi-las já empratadas. Agora há muito o costume de apresentar uma travessa em vez dum prato.
Isto é bom ou é mau? O serviço à mesa por um empregado tem custos, pelo que compreendo que casas mais modestas tenham deixado de prestar esse serviço, libertando mão-de-obra, que, assim, presta mais atenção a outras mesas. O resultado é economia de braços, ou seja, menos custos. O mesmo se pode aplicar à apresentação das travessas nas mesas, pois é loiça suplementar que se tem de lavar, o que se traduz em gastos de água, detergente e energia. Portanto, admite-se em casas mais económicas. O que não é, de todo, aceitável é servirem os clientes em travessas. É uma questão de educação e de respeito.
O que leva a pensar a um comerciante que um cliente deve comer numa travessa? Faço mais cerimónia, em minha casa, com amigos que trato por tu... Não se admite que alguém a quem pago por um serviço e a quem se exije tratamento por senhor ponha uma travessa à frente.
A talhe de foice: entrei outro dia numa loja de objectos de hotelaria e cozinha em busca de copos e pratos. Às tantas, disparou-me a senhora:
- Tem aqui estes, agora usam-se muito.
Eram travessas, pelo que lhe respondi que não precisava de tais objectos, mas sim de pratos. Ela repetiu-me que têm muita saída. Pois sim, pois sim. Será que já ninguém diferencia um prato duma travessa? Um é redondo o outro é rectangular ou oval. É simples! É uma questão de geometria (a tal coisa da educação). Qualquer dia, nos restaurantes deste país, ainda levam à mesa tachos, panelas e caçarolas... tirando aqueles casos em que a tradição assim o dita, mas em que os ditos são «bonitinhos», feitos para se apresentarem aos convivas.
Uma outra baixaria de algumas casas é a maldita malga da sopa em alumínio. Bem sei que só acontece em estabelecimentos populares, mas quando se trabalha e se tem de almoçar fora não se pode dispender tempo nem dinheiro noutros locais que não esses. Mas ser popular não significa ser-se mau nem mal educado nem servir mal. Por isso, não se compreende por que raio alguém possa pensar que os seus clientes são reclusos dum estabelecimento prisional ou meninos a alimentarem-se na cantina escolar.
Cada um tem a sua vida e faz dela o que quiser e entender. Por mim digo apenas que me recuso a comer sopa em malgas de alumínio e refeições em travessas. A menos que, por educação e respeito por quem me convide, o tenha de fazer.
6 comentários:
Mas já temos pratos quadrados :) eu pelo menos tenho.
Agora isso depende muito do sítio onde se entre para comer e na disposição que se leva para tal.
Nas belas tascas da minha zona não se pode pedir empratamento, vem na travessa servido com cuidado e cada um tira o que quer...
Se a comida for divinal até pode vir servida em travessa que não me importo, agora sopa em barro vidrado ou alumínio comigo é logo fora.
Exemplos de pratos que não abdico que venha em panela ou travessa...
- Ensopado de Borrego
- Sopa de Cação
- Cozido à Portuguesa
- Cozido de Grão
- Cachola
- Estupeta de atum
- Anchova escalada
- Açorda de marisco
- Paella
...
Vir numa travessa para que se sirva, pois com certeza. Não quero é a maldita da travessa a fingir que é prato. Uma panelinha de barro tradicional claro que vem à mesa com os pratos tradicionais, o que quis dizer foi trazerem as alfaias da cozinha para a mesa.
Pois comer numa travessa de alumínio não dá com nada...
nem alumínio, nem barro nem loiça.
São vestígios da vida castrense. Não falo de alumínio, falo de aço inox, as malgas, as travessas, os pratos, os copos e até as cabeças de alguns chicos lateiros :)
Há coisas da cozinha regional que ficam mais "bonitas" se vierem nos respectivos recipientes de barro para a mesa.
Estou a lembrar-me de:
Chanfana
Arroz de forno
Adoro algo que vinha numa frigideira de barro e com que me consolava em estudante longe de casa e que agora é raríssimo comer (a lei proibe servir nas frigideiras de barro):
Bitoque com ovo a cavalo, batatas fritas e arroz.
Comi-o há pouco na frigideira proibida, preferindo-o a tanta coisa, mas francamente não sei se me consolei com o bitoque, se com a memória que tinha dele.
Prefiro a terrina para o ensopado de borrego e para a cachola, no caso do borrego, também a travessa, do serviço dos pratos, é claro. A açorda de marisco, numa caçoila de faiança ou de porcelana. Os arrozes valencianos naturalmente na paellera.
Quanto à moda da travessa foi uma coisa parvamente importada e, ainda por cima, mal adaptada. Costumam servir assim em Espanha chuletones de 0,5 kg ou mais que não cabem no prato, bem como peixe na brasa pela mesma razão. Um besugo desse peso ou mais como-o com mais agrado "en su sítio" (S. Sebastian, por exemplo) numa travessa do que num prato.
Penso que as circunstâncias é que determinam o serviço. Às vezes, com amigos informais, num petisco, até sabe bem todos picarmos com o garfo do mesmo recipiente colocado estrategicamente no meio. E a isso chama-se comer da gamela, salvo seja :)
Caro Avental: exactamente!
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