segunda-feira, novembro 02, 2015

Concurso Escolha da Imprensa 2015

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O Concurso Escolha da Imprensa 2015, organizado pela Revista de Vinhos, bateu o recorde do número de vinhos em avaliação. Os 34 jurados provaram um total de 357 vinhos, tendo premiado 79. Esta prova realiza-se no âmbito do Encontro com o Vinho e Sabores, que decorreu entre 30 de Outubro e 2 de Novembro, no Centro de Congressos de Lisboa.
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A prova está dividida em cinco categorias: Espumantes, Brancos, Rosés, Tintos e Fortificados. Os vinhos distinguidos com Grande Prémio Escolha da Imprensa foram: Murganheira Cuvée Reserva Especial Távora-Varosa Branco 2004 (espumante), Muros de Melgaço Vinho Verde Alvarinho 2014 (branco), MR Premium Regional Alentejano 2014 (rosé), H.O. Douro Grande Escolha 2012 (tinto) e Vau Porto Vintage 2011 (fortificados).
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A lista de vinhos espumantes distinguidos com o prémio Escolha da Imprensa (por ordem alfabética) foram:
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Adega d´Palmela Moscatel Branco (Adega Cooperativa de Palmela);
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Aliança Vintage Bairrada Branco 2010 (Aliança - Vinhos de Portugal);
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Murganheira Assemblage Távora-Varosa Grande Reserva Branco 2000 (Sociedade Agrícola e Comercial do Varosa);
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Murganheira Blanc de Noirs Távora-Varosa Touriga Nacional Branco 2008 (Sociedade Agrícola e Comercial do Varosa);
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Primavera Baga-Bairrada Branco 2013 (Caves Primavera);
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Quinta da Calçada Cuvée de Choix Reserva Branco (Agrimota);
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Raposeira Peerless Super Reserva Branco 2009 (Caves da Raposeira);
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Raposeira Super Reserva Blanc de Blancs Branco 2011 (Caves da Raposeira);
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Regateiro Bairrada Branco 2013 (Ares da Bairrada);
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São Domingos Cuvée Bairrada Branco 2011 (Caves do Solar de São Domingos).
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A lista de vinhos brancos distinguidos com o prémio Escolha da Imprensa (por ordem alfabética) foram:
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Adega Mãe Regional Lisboa Viosinho 2014 (Adega Mãe);           
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Aveleda Reserva da Família Bairrada 2014 (Aveleda);
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Borges Colheita Tardia Dão 2010 (Sociedade dos Vinhos Borges);
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Catarina Regional Península de Setúbal 2014 (Bacalhôa Vinhos de Portugal);
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Herdade Monte da Cal Saturnino Regional Alentejano Grande Reserva 2013 (Herdade Monte da Cal);
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Mirabilis Douro Grande Reserva 2014 (Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo);
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MR Premium Regional Alentejano 2013 (Sociedade Agrícola D. Diniz);
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Mula Velha Premium Regional Lisboa 2014 (Quinta do Gradil);
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Nostalgia 10 Barricas Vinho Verde Alvarinho 2013 (Lua Cheia em Vinhas Velhas);
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Portal do Fidalgo Vinho Verde Alvarinho 2014 (Provam);
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Pousio Regional Alentejano Reserva 2014 (Casa Agrícola HMR);
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QM Vinho Verde Alvarinho 2014 (Quintas de Melgaço);
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QM Vinhas Velhas Vinho Verde Alvarinho 2013 (Quintas de Melgaço);
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Quinta das Cerejeiras Óbidos Reserva 2012 (Companhia Agrícola do Sanguinhal);
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Quinta dos Carvalhais Branco Especial Dão (Sogrape Vinhos);
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Quinta dos Carvalhais Dão Reserva 2011 (Sogrape Vinhos);
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Rozès Noble Late Harvest Douro 2011 (Rozès);
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Serras de Grândola Edição Especial Regional Península de Setúbal 2014 (Maria Jacinta Nunes da Costa Sobral da Silva);
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Terras de Lava IG Açores Colheita Selecionada 2014 (Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico);
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Titular Dão Encruzado 2014 (Caminhos Cruzados);
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Vila Santa Regional Alentejano Reserva 2014 (J. Portugal Ramos Vinhos).
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A lista de vinhos rosés distinguidos com o prémio Escolha da Imprensa (por ordem alfabética) foram:
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Casa do Lago Regional Lisboa 2014 (DFJ Vinhos);
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JP Azeitão Regional Península de Setúbal (Bacalhôa Vinhos de Portugal);
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Pluma Vinho Verde 2014 (Casa de Vila Verde);
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Quinta do Poço do Lobo Bairrada Baga Pinot Noir Reserva 2014 (Caves São João).
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A lista de vinhos tintos distinguidos com o prémio Escolha da Imprensa (por ordem alfabética) foram:
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2221 Terroir Cantanhede Bairrada 2011 (Adega Cooperativa de Cantanhede);
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Adega de Borba Alentejo Garrafeira 2009 (Adega Cooperativa de Borba);
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Adega de Pegões Regional Península de Setúbal Alicante Bouschet 2012 (Cooperativa Agrícola de Santo Isidro de Pegões);
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Blog Regional Alentejano Alicante Bouschet + Syrah 2012 (Tiago Mateus Cabaço e Cabaço);
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Cartuxa Alentejo Reserva 2012 (Fundação Eugénio de Almeida);
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Casa Santos Lima Regional Lisboa Reserva 2012 (Casa Santos Lima);
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Conde d ´Ervideira Private Selection Alentejo 2012 (Ervideira);
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Consensus Regional Lisboa Pinot Noir & Touriga Nacional 2008 (DFJ Vinhos);
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Dona Berta Douro Tinto Cão Reserva 2011 (Hernâni A.M Verdelho);
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Dona Maria Regional Alentejano Grande Reserva 2010 (Júlio Bastos);
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Elpenor Dão 2011 (Júlia Kemper Wines);
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Foral de Cantanhede Gold Edition Bairrada Baga Grande Reserva 2009 (Adega Cooperativa de Cantanhede);
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Herdade da Ajuda Regional Alentejano Syrah & Touriga Nacional 2009 (Herdade da Ajuda Nova);
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Monte Branco Regional Alentejano 2011 (Luís Louro);
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Paço dos Cunhas de Santar Vinha do Contador Dão 2009 (Paço de Santar -Vinhos do Dão);
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Pai Chão Regional Alentejano Grande Reserva 2011 (Adega Mayor);
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Poliphonia Regional Alentejano Reserva 2013 (Granacer);
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Quinta da Gândara Dão Touriga Nacional Reserva 2011 (Sociedade Agrícola de Mortágua);
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Quinta da Romaneira Regional Duriense Petit Verdot 2012 (Sociedade Agrícola da Romaneira);
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Quinta da Touriga-Chã Douro 2013 (Jorge Rosas);
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Quinta das Corriças Trás-os-Montes Reserva 2011 (Sociedade Agrícola Quinta das Corriças);
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Quinta do Grifo Reserve Douro 2011 (Rozès);
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Quinta do Quetzal Alentejo Reserva 2011 (Quinta do Quetzal);
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Quinta do Serrado Dão Touriga Nacional 2010 (Sociedade Agrícola Castro de Pena Alba);
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Quinta Seara d´Ordens Vinhas Velhas Douro Reserva 2012 (Sociedade Agrícola Quinta Seara d´Ordens);
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Titular Dão Reserva 2012 (Caminhos Cruzados);
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Velhos Bardos Douro Reserva 2013 (Vasques de Carvalho);
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Villa Oliveira Dão Touriga Nacional 2011 (O Abrigo da Passarela);
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Vinhas Antigas da Beira Interior by Rui Madeira Beira Interior 2011 (Rui Roboredo Madeira).
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A lista de vinhos fortificados distinguidos com o prémio Escolha da Imprensa (por ordem alfabética) foram:
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Alves de Sousa Porto Vintage 2009 (Domingos Alves de Sousa);
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Blackett Porto 30 anos (Alchemy Wines Port);
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Blandy ´s Madeira Bual 2002 (Madeira Wine Company);
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Duorum Vinha de Castelo Melhor Porto Vintage 2012 (Duorum Vinhos);
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Lajido Pico Vinho Licoroso Seco Superior 2003 (Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico);
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Niepoort Porto Crusted (Niepoort Vinhos);
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Quinta do Seixo Porto Vintage 2013 (Sogrape Vinhos);
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Quinta Seara d´Ordens Porto Vintage 2012 (Sociedade Agrícola Quinta Seara d´Ordens);
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Vasques de Carvalho Porto 30 anos (Vasques de Carvalho);
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Vasques de Carvalho Porto Vintage 2013 (Vasques de Carvalho).

sábado, outubro 31, 2015

X < ꝏ + 1 = 1 – Há lugar para todos?

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O vinho é prazer – assim se deseja, para que uma dependência não se traduza em doença – mas também negócio. Agora vou atirar-me a uma outra chatice e espero que a equação do título esteja correcta… sei fazer contas, mas escrever equações… os 10º e 11º anos estão muito longe, já resolvo tudo com computadores, calculadoras ou cábulas.
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Continhas, assim em diminutivo. Nada que um simples cidadão, com poucos estudos, não consiga entender: quanto se gasta e quanto sobra. Do resultado saem diversas conclusões, todas alicerçadas em vontades e que, sinceramente, penso serem todas legítimas. Penso pela minha cabeça e o blogue é meu, dito.
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Um dia um vitivinicultor perguntou-me:
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– Sabe como se faz uma pequena fortuna no negócio do vinho?
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– Não.
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– Para começar tem de se ter uma grande fortuna…
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Acaba assim de forma sintética uma verdade que dá para tudo. As empresas são para darem lucro aos seus proprietários (seja qual for a forma de constituição), mas têm de pagar a empregados, fornecedores e Estado.
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Aceitando que todo o dinheiro entregue ao Estado é bem aplicado, o que sai da caixa da conta bancária também contribui para a sociedade. As empresas têm uma responsabilidade social para com as famílias de trabalhadores, fornecedores e funcionários dos fornecedores. Por aí fora. Daí que reforce a importância da gestão com lucro, a menos que se queira fazer a tal pequena fortuna.
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Em qualquer negócio se pode retirar prazer, sou optimista; mesmo que se trate de fazer roscas em parafusos ou dobrar clipes. Porém, o vinho tem uma dimensão de amor e/ou paixão, para que contribuem laços afectivos a um bocado de terra, apreciar agricultar, colher, vinificar e beber. Há história, tradição; cultura em largo espectro. Vou tentar criar uma tipologia.
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O casal Carneiro marimba-se para ganhar dinheiro. É só prazer e a conta bancária é confortável. Vender? Não! O vinho é deles e para os amigos.
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Já o casal Santos ganhou um bom dinheiro nas suas actividades profissionais e comprou uma propriedade para os fins-de-semana e velhice. As coisas sempre vão custando a manter, pelo que pensaram que seria bom ter um negócio que sustentasse as despesas. Olharam para os seus prazeres, porque sempre ajuda, e decidiram plantar uma vinha.
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Aqui há vários tons: havia adega ou foi preciso construir, reparar ou modernizar? O vinho é um nano-negócio e os próprios tratam de tudo, porque «conseguem» e vendem à malta da aldeia? É necessário contratar um enólogo, ou para quem é bacalhau basta? E equipamento de adega? Volta-se atrás: o que se quer fazer, quanto se quer fazer, como se quer fazer, como se paga, em que prazo, a quanto se vende? Distribuição própria ou contratada? Rótulos e design para todas as faces das exigências? Há adrenalina para se querer crescer?
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Uma variante prévia que não anula o parágrafo anterior, que é a terra ser herança ou arrendada.
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Outra ainda, vender à cooperativa… espera-se (novamente) que seja bem gerida, para que pague bem ou, pelo menos, que pague.
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Por sua vez, o doutor Magalhães fartou-se da vida de executivo de topo e quis um negócio seu, e que pode incluir a tal vontade de lazer. Porém, tem a certeza que é para ganhar dimensão. Terá uma boa adega, enólogo residente, técnico de viticultura, enólogo conceituado, distribuidora cara, empresa de comunicação, investimento em publicidade, design de rótulos, embalagens e de mais necessidades entregues a um ateliê com reputação. Joga-se pelo seguro, e contratam-se os profissionais que estão na berra e fazem-se pagar bem.
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Quanto a família Pacheco herdou um negócio, com dimensão e que conheceu melhores dias. Entra a nova geração e investe, porque os equipamentos precisam de reforma ou estão obsoletos, as marcas degradaram-se… Entram aqui vários aspectos da situação anterior.
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Os Taborda estão, mais ou menos, na mesma situação que os anteriores. Só que ninguém se entende e já há na família quem não se fale. Há que vender a companhia.
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Por seu lado, os Peneda gerem um empório, erguido há uma, duas ou três gerações, mais saudável que os anteriores, pelo que as mudanças serão mais focadas em alguns aspectos inventariados e priorizados.
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O traço comum é o vil metal. Não é preciso ser-se grande para ganhar dinheiro, como não é preciso ser-se pequeno para o conseguir. O mesmo acontece com os prejuízos.
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Referida subliminarmente, lá para trás no texto, a dimensão conta. Vender 1.500 garrafas ou 1.000.000 não é a mesma coisa. O pequeno vitivinicultor até pode fazer uma zurrapa; a quantidade vende-se, mesmo que o consumidor não repita. O empresário com um barco maior vai ter de criar gamas, provavelmente investir em castas que não aprecia, ter um esforço permanente de olhar a concorrência e ter ideias para a diferenciação. Certamente passará a maior parte do tempo fechado em aviões, ou pagar a alguém para ir em seu lugar, para lançar e concluir negócios, apresentar-se em feiras, realizar demonstrações, participar em embaixadas económicas ou debater com distribuidores.
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Parece simples. Contudo, a questão colocada em carne-e-osso não é fácil. Ninguém é genial para acordar todas as manhãs com uma ideia bombástica, soprada por um espírito amigo durante o sono. Nem todas as manhãs, nem todos os anos.
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Quando as empresas adquirem alguma dimensão, não sendo necessário chegar ao patamar do milhão, ganham visibilidade, pelo que há negócios que lhe vão parar ao colo. A empresa do engenheiro Gonçalves produz 250.000 garrafas numa região, mais ou menos, «desactualizada», com uma gama de três brancos, cinco tintos e um espumante, além dumas sobras em bag-in-box. Sem saber como, um dia – que por acaso estava na propriedade – bate-lhe à porta um negociante chinês. O asiático cumprimenta-o e explica-lhe quem lhe deu o contacto. Como não o conhece de lado nenhum, o português desculpa-se para arranjar um tempo para fazer telefonemas, apurando a reputação do empresário que ali foi dar. Está tudo bem e sentam-se à mesa.
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– Diga então, o que o traz por cá?
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– Em Cantão ouviram falar nesta região. Vários compradores conheceram-na através duma feira e penso que há mercado para se ganhar dinheiro com vinho daqui.
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(salto para depois da prova de várias garrafas)
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– Sim, senhor. Vamos a isso. O que quer e quanto quer?
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– Nesta primeira fase, preciso de 1.000.000 de garrafas. Começamos com um tinto e, após vermos como vão as coisas, podemos vender mais referências.
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Os túbaros do engenheiro Gonçalves bateram um no outro e vedaram, por efeito dominó, o esófago. Os bolsos a cantarem e a cabeça a matraquilhar:
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– (Porra! Não tenho tanto vinho, nem mesmo com as sobras… e duma só referência, além de tudo).
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Neste momento, Minerva, Mercúrio e Baco conjuram. A cabeça do engenheiro Gonçalves acrescenta a tarefa de tentar parecer que está tudo bem, para que o empresário chinês não se assuste ou descubra as suas cartas no poker.
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Há duas hipóteses:
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Hipótese A: Dizer a verdade e recusar a oportunidade.
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Hipótese B: Inventar uma desculpa credível para ganhar tempo, para que possa juntar a quantidade necessária para satisfazer a encomenda.
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Sublinhe-se que o empresário chinês não foi comprar vinho duma marca ou duma referência existente. Foi procurar quem lhe vendesse 1.000.000 de garrafas de bom vinho, daquela região, para que fizesse negócios em Cantão.
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A hipótese «A» termina com honestidade e sem glória:
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– Muito prazer em conhecê-lo, se um dia voltar venha beber um copo comigo e se um dia for a Cantão irei visita-lo.
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– Com todo o gosto. Muito bom dia.
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A hipótese «B» implica tempo. Com uma desculpa credível despede-se até amanhã, ou até quatro ou cinco dias, porque o empresário vai também a outras regiões à cata de oportunidades. Nesse período, o engenheiro Gonçalves, tendo um caderno de encargos específico quanto a preço e requisitos do produto, telefona a vários produtores da zona, para que consigam juntar aquele 1.000.000 de garrafas e abrir portas a mais negócios. Se consegue, óptimo. Se não consegue, azaruncho.
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Este caso foi real.
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A hipótese «B», se cumprindo os requisitos e o preço pretendido, nada tem de desonesto. Mas a hipótese «A» não tem nada de racional.
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Pequeno é lindo! Cemole ise biutifule!
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No final do século XX e início deste assistiram-se a vários processos de concentração empresarial. Em diferentes ramos e de modos vários, desde ofertas públicas de aquisição, troca de participações sociais, fusão ou simples compra na totalidade e fora dos mercados financeiros.
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Acontece volta e meia e por todo o lado. Não me admiraria que tal viesse a acontecer em Portugal no sector do vinho. Penso ser desejável.
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Ganhar massa-crítica pode ser conseguida de diversos modos e em diferentes profundidades, desde a partilha de espaços de promoção e acções de divulgação conjunta até à constituição de empresas, participadas por várias empresas independentes, ou pelos métodos mais mediáticos e que referi.
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Para ser rigoroso e consequente, dou dois exemplos de associações felizes. Uma que não põe em causa as identidades corporativas e não lhes dá uma gestão conjunta e formal, e outra em que várias firmas são accionistas duma casa-mãe: Douro Boys e Lavradores de Feitoria. Se fugirmos do universo da individualidade, há as cooperativas – e isso é outra coisa.
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Quem faz umas centenas de milhares de garrafas ou uns milhões tem uma pressão constante, que o pequeno não tem. O anão tem umas sobras e inventa umas edições especiais, que por serem raras e bem trabalhadas, em termos de comunicação, as garrafas custam 30 vezes o valor merecido. Os grandalhões têm menos flexibilidade.
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Escrevo este texto porque me pergunto insistentemente como não foram já dados passos no sentido das fusões e aquisições, ou parcerias aprofundadas, entre empresas complementares ou que acrescentem oferta idêntica.
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Pode ser o pouco racional individualismo português? Pode. Mas quem tem embarcações grandes tem tudo diferente face às pequenas sociedades. Além de complementaridade há acrescentos: a empresa da quinta duriense do doutor Fagundes junta-se à lisboeta do engenheiro Sousa e à alentejana do doutor Felisberto. Juntos somam 2.200.000 garrafas… e podem crescer.
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E se… duas, três, quatro ou cinco sociedades duma mesma região – fazem vinhos com os mesmos conceitos, têm abordagens idênticas aos mercados, quiçá com propriedades contíguas – cada qual com mais de 1.5000.000 de garrafas se juntassem?
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A união entre pequeninos, pequenos ou médio-pequenos eventualmente pode ser mais ligeira e talvez não traga grandes benefícios. Quando se passa para as centenas de milhares ou milhões de garrafas já os benefícios me parecem óbvios.
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A dimensão pode, inclusivamente, levar ao alargamento do âmbito de actuação, com aquisição de firmas, até mesmo noutros países. A Sogrape, a maior empresa do sector, é uma multinacional (familiar) e não é por isso que deixa de ser portuguesa, de apostar nos vinhos feitos por cá ou deixa de produzir vinhos de grande prestígio.
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Infelizmente para o país, a Sogrape é (verbo ser) sozinha! Quando sete das maiores empresas do sector se juntaram, na associação que ficou conhecida por G7, percebeu-se rapidamente que a multinacional não tinha muito para debater com as outras sociedades: Aveleda, Caves Aliança, Caves Messias, Finagra, José Maria da Fonseca e JP Vinhos.
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Se não erro (reporto o número que me disseram), a facturação da Sogrape é superior à soma das outras seis empresas. Isto traduz o que é o negócio do vinho em Portugal. Poderão os empresários do sector acusar-me:
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– Vem para aqui este doutor da mula ruça botar sentenças sobre negócios, quando não tem um cêntimo investido nem experiência de gestão… nem duma pequena empresa.
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Tenho de me calar. Porém, o pressuposto é verdade: as empresas são para dar lucro e a dimensão conta. De qualquer modo, reconheço que ser-se grande não significa ausência de riscos e de responsabilidades.
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Não há fórmulas mágicas – que saiba, pois se soubesse estaria a aterrar numa pista reservada, no meu jacto particular...
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Para me bronzear numa praia restrita, enquanto suspirava inquieto e puerilmente acerca a importância da estética nas sociedades contemporâneas ocidentais, tendo em conta as obras de Jeff Koons, Gilbert & George, Francis Bacon e Bansky.
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Se uma empresa for só mais uma empresa, é porque é uma empresa a mais. X < ꝏ + 1 = 1
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Jeff Koons.
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Gilbert & George.
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Francis Bacon.
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Bansky.
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Nota: Escultura de Jeff Koons, Excertos de filmes do «007», Pintura de Bansky, Pintura de Francis Bacon, Pintura de Gilbert e George, Pintura de William Trost Richards. 

quinta-feira, outubro 29, 2015

Fonseca regressa a casa

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Pelo Douro vai-se para o mundo. Roubei esta verdade ao Fernando Pessoa para dizer do vale mais famoso de Portugal, onde a história se escreveu quase sempre com vinho e a água de o levar, muitas vezes assassina.
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Foi um rio selvagem até quase hoje.
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Em Lisboa estava a Corte, que ia a Santarém e a Évora, a Sintra, Queluz e Cascais. Bem podem os portuenses garantir que o Infante Dom Henrique nasceu no Porto, mas a verdade é que nenhum Rei lá dormiu em casa própria.
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A falta de visitação régia não tira brilho nem cria esplendor à cidade do Porto, que só na lei não é das duas margens. De Portus e Cale nasceu Portugal, Porto e Gaia. No lado direito está o brilho e no esquerdo o lume. De montante chega a razão.
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Elogiar e glosar o labor das gentes do Porto é tão merecido como para outros povos, entre Cevide e o Cabo de Santa Maria, de Paradela ao Cabo da Roca, da Ponta Sul, no Ilhéu de Fora, das Selvagens, ao Ilhéu de Monchique, nos Açores, do cimo do Pico à beira-mar da água fria, de que tanto gosta a sardinha, que tanto dela gostam os portugueses. Da Galiza até onde exista alguém a falar português.
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É isso, mas também certo que a fama dos vinhos do Douro não se gerou, mas criou, consubstancial à alma-amor.
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Tanto faz que Luís XIV tenha dito que o Vinho do Porto é o vinho dos reis e o rei dos vinhos. Também o disse do Champanhe. Também o disse do Tokaji. Até há quem acuse outro Luís, de três flor-de-lis de ouro sobre azul, de ter afirmado tal verdade.
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Tanto faz que a demarcação do Vale do Douro seja a mais antiga do mundo. Também os italianos reclamam para a Toscânia. Também húngaros e eslovacos exigem para Tokaji.
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O que não tanto-faz é o mundo, dos galegos que ajudaram a inventar terreno lavrável, dos camponeses daquela terra, dos morgados, dos prelados, dos ingleses, dos escoceses, dos alemães, dos… não de todo o mundo, mas metaforicamente do mundo todo.
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O Douro vinhateiro não se fez sozinho, nem só natureza, nem só homem. Tanta gente diz terroir, palavra com um conceito intraduzível, feita de chuva, sol, vento, abrigo, secura, humidade, luz, ensombramento, noite, latitude, longitude, altitude, Norte, Sul, Este, Oeste e pontos colaterais, solo, subsolo, flora próxima da vinha, flora até onde a vide sente, fauna, casta, sabedoria de campo e sabedoria de adega. O homem faz o vinho, não nasce numa fonte – horas, pressas e vagares.
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Terroir aparece em todo lado, não há quem não o encontre no seu sítio e com ele diga privar, como se Dom Sebastião se tratasse. É como Dom Sebastião, uns o viram, alguns o vêem e verão quando sempre – e no Verão também há neblinas marítimas.
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É Património da Humanidade, estatuto pela UNESCO e verdade, porque os nomes do Douro têm origem, mas não sei se têm nacionalidade; são Silva, Santos, Pereira, Olazabal, Guedes, Niepoort, Ferreira, Burmester, Pinto e pelo Douro vai-se para o mundo.
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O meu sangue do Sul não me deixa ser outra coisa que não português, que é ter na mesa Vinho Verde e gaspacho e passar horas sem tempo a viver a mesa. Dizem que as melhores laranjas são as do Algarve. Garanto que são as das laranjeiras de Castro Verde – não por dali ter tirado sangue, mas porque são muito doces e frescas de ácido. E o azeite? Do Douro. E o vinho? Do Douro. E a praia? De Tavira. E a poesia bruta do granito domesticado, chamado românico? Eterno do Minho.
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O Vinho do Porto é fidalgo, por isso há só duas famílias no Douro; a que bebe Porto e os camponeses, que dizem vinho fino. Os apelidos do Douro: Fonseca é inglês, como MacBeth é português, assim se chamava um colega de escola.
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Porquê tudo isto, esta explicação longa? Porque conto duma casa. Porque não há hoje sem ontem e o destino, que a Sul dizemos fado, existe para existir e desejar. Eu não sou eu. O meu corpo é resultado de antepassados, parentes de carne, e a cada sete anos é outro regenerado. O meu espírito encarnou muita gente.
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Já quase me esquecia do destino.
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Só queria só escrever que a casa dos Fonseca, no Pinhão, voltou à firma. A companhia é familiar e britânica, talvez ainda tenha sangue Fonseca. Tanto faz, porque do Douro vai-se para o mundo e os nossos genes unem-se numa mãe comum – a Eva, como dizem os historiadores.
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Um dia bebemos Vinho do Porto e noutro chamamos-lhe vinho fino. Mas as coisas são da terra como os nomes. No Pinhão, a casa voltou.

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quarta-feira, outubro 14, 2015

Chefe Silva – senhor António da Silva: 1934 – 2015

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As homenagens devem ser feitas em vida – infelizmente tantas vezes não acontece. A razão por que o digo não é para saudar os que partem, mas para os expressar aos que ficam. Quem vai, por algum tempo, permanece connosco, com os entes queridos e pessoas que lhe são agradáveis
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Já quem fica é levado, bastas vezes, talvez na maioria dos casos, a supor que morremos definitivamente quando o caixão desce à terra, é guardado num jazigo ou entra na fornalha, ou por algum motivo se perde. Digo, por convicção, que não nascemos no berço e não nos finamos no túmulo.
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As homenagens são para os vivos, para os que estão na carne. Certamente lembram-se – lembramo-nos, episodicamente, e a vida continua, no dia-a-dia desta pesagem pela matéria, esquecendo, ainda que inadvertidamente, das bênçãos que nos chegam de formas tão diversas.
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Elogiar os mortos é fácil! Não irão telefonar emocionados, mas podem-no ficar, nem amuar porque se foi poupado nas laudas, que acontece, ou passar recados, porque algo não foi bem assim, mas é verdade. Assim creio.
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Perdoem-me os leitores que diferente de mim pensem: A morte não redime. O dom da Graça é um conforto confortável – expressão propositadamente pleonástica. Vamos e vimos as vezes necessárias até que um dia um chamamento nos promova, quando for merecido e houver a necessárias modéstia e vontade de missão.
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Isto se aplica a todos. Podia citar o caso recente do meu pai, mas não – 20 de Fevereiro foi ontem e será sempre ontem, mas abraça-me quando preciso e critica-me se o acha necessário; talvez nem o saiba, ele e eu.
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Dirijo as palavras a alguém que, não tendo conhecido pessoalmente nesta vida, entrou em minha casa e auxiliou o Manuel Jorge, sempre empenhado na cozinha. Era miúdo quando o chefe Silva ensinava na televisão ou já adolescente e desinteressado.
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Não era sorridente, mas não carrancudo – contudo sorria. Falava devagar e explicava. Quando me iniciei aplicadamente no mundo do vinho e da comida sólida, ouvi sempre palavras de respeito e consideração – sem excepção.
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É um feito! Não sei como seria no seu círculo íntimo, mas teria força e fraqueza, erros e benefícios – como todos. Sei do homem que entrou em minha casa tela RTP, do «outro», do senhor António da Silva, não sei – certo estou que o amaram e amou.
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Disseram-me bem como homem e como profissional, honesto e conhecedor, influente na vida de jovens que viriam a ser colegas e nas tarefas da casa, para que o arroz ficasse no ponto e a carne suculenta. Era miúdo, e o que me contam é que respeitava a comida e o público. Sem «plástico» e fiel à gastronomia portuguesa.
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É esse respeito que sempre ouvi e por que lhe dedico estas linhas de homenagem. Escrevo tarde (12 de Novembro de 2015), se pensarmos no dia do passamento . Escrevo a tempo, pois sei que vive além, fazendo as tarefas que a Espiritualidade Superior lhe designou.
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As homenagens em vida, podem lacrimejar os olhos da família e da figura, mas são para quem está encarnado. Escrevo tarde, mas simbolicamente coloco este texto no dia em que o chefe Silva foi a um outro lugar.
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Nota: Pensei em contactar a família para lhe dar conta desta sincera homenagem. Decidi não o fazer, pois conhecia o chefe Silva e não o senhora António da Silva. Não tive sequer a oportunidade de lhe apertar a mão. O que tem de ser será, se alguma dia um familiar, ou amigo do senhor António da Silva, encontrar esta minha prosa, espero que a (me) compreenda e, por isso, a aprecie.

domingo, setembro 27, 2015

segunda-feira, maio 25, 2015

Quarta edição do Festival do Vinho do Douro Superior

O meu queixume faz sorrir quem vive num país grande. Lisboa dista de Foz Côa 390 quilómetros e diz o Google que se percorrem em pouco mais de três e meia… suspiro quando penso no que não importa.
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Fui na sexta-feira e regressei ontem do Festival do Vinho do Douro Superior, organizado pela Revista de Vinhos para o município de Foz Côa.
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Participei como jurado do concurso do festival, que, mais uma vez, se distinguiu por uma grande qualidade dos vinhos em prova.
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O melhor vinho branco foi Bons Ares 2003, da Ramos Pinto. O Duorum Vinhas Velhas Reservas 2012, da Duorum Vinhos, ganhou nos tintos. Nos generosos, o vencedor foi o Vinho do Porto Quinta da Ervamoira Vintage 2005, da Ramos Pinto.
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Mais informações sobre o concurso podem ser obtidas no sítio da Revista de Vinhos.

quinta-feira, maio 21, 2015

Bebei Babel

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Não sei as vezes que escrevi palavras alinhadas, mais ou menos, como estas. Sei que as envio repetidas para algumas pessoas. Lamento, mas…
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Quando a vergonha se acanha e, de tão atiçada, se faz forte, põe as garras de fora e luta, porque a sobrevivência é mais fácil do que a pobreza.

A notícia correu à velocidade das pernas e do boca-em-boca, na época não existiam nem telefone, muito menos telemóveis nem se sonhava com os falecidos peigeres, nem telégrafo, nem telexes, nem imailes, nem ésse-éme-ésses, nem éme-éme-ésses, nem internete, nem rádio-telefonia, nem televisão, nem ualquitolquies… havia palavra escrita, mas não jornais. Podiam fazer-se sinais de fumo, mas naquelas terras não se usavam.
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Soube-se pela velocidade dos passos e destreza da boca: caiu a Torre de Babel.
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Agora que há todos os meios que citei é rápido informar que a minha obra-prima nem se conseguiu erguer.
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Ora tentem fazer uma torre de vinho.
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Nota: Pintura de Albert Anker.

quarta-feira, maio 20, 2015

Fazer vinho é canja mas galináceos não fazem parte dos lotes

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Chrétien de Toyes escreveu e fez-se o Graal.
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José de Arimateia levou-o e o tempo perdeu-o. Achá-lo só os puros e de merecimento. Sir Galahad, Sir Bors e Sir Percival conseguiram.
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O Graal desapareceu. Se está escrito, existe. A letra impressa não mente.
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Muito mais antiga é a demanda da Pedra Filosofal. Tão antiga que, pelos artifícios da alquimia, se descobriram verdades de ciência.
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Antiga e já conseguida. Cientistas conseguiram fabricar ouro. Ouro que vale mais do que ouro, só um trilionário sem juízo compra esse metal. A natureza vende mais barato...
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Se bem que o conseguimento não é bem um concretizamento. A Pedra Filosofal tem de transformar em ouro qualquer metal plebeu; os sábios apenas conseguiram fazê-lo e não que consiga metamorfosear qualquer calhau.
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Ah! O mais prosaico… o Elixir da Eterna Juventude. A morte chega a todos e assusta muita gente. Também os poderosos do mando falecem e temem o dia em que a gadanha os faça fechar os olhos.
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Com o ouro pagaram a homens de ciência e virtude. Como nos contos das «Mil e Uma Noites», a habilidade estava em conseguir manter o patrono entretido, acreditando que os progressos se faziam.
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Aldrabão e famoso, o alquimista era chamado à Corte. O ouro tão perto, puro veneno. A cobiça e o pesadelo. A maior competência não era fabricar vida, mas não criar a morte. Ter as perícias para progressos e um sofrimento esperançoso por não ter tido ainda sucesso.
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A vida eterna é no Além. Ou… a espada, cutelo, machado, garrote, forca ou. O fabuloso mercúrio. O mortal mercúrio.
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Todos os mestres foram um dia aprendizes, mais tarde ainda esperaram como oficiais. Entre os mestres, uns melhores do que outros – nunca esquecendo que dois mais dois podem não ser cinco.
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Johann Wolfgang von Goethe poemou «O Aprendiz de Feiticeiro», que não poderei ser. Acreditei nos livros das ciências sem mestre e montei um laboratório com os ingredientes e ferramentas, sabendo colher dos mestres o conhecimento aproveitável, vinho monovarietal engarrafado.
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Em segredo comprei as essências e pela noite até de manhã nada mais fiz do que procurar o Graal, a Pedra Filosofal e o Elixir da Eterna Juventude.
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Vinho!
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Não sei que horas eram quando finalizei a poção. O melhor vinho do mundo!
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Engarrafei-o em frascos de perfume de sete decilitros e meio, devidamente rolhados. Sobre o todo, lacre, como antigamente.
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Exausto adormeci, sonhando com Xerazade, Isolda, Julieta, Dulcineia, Dinamene, Bela Adormecida e Maria Carolina de Bourbon Duas Sicílias.
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Ainda fatigado, revelei o vinho – Elixir da Eterna Juventude, Pedra Filosofal e Graal.
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Não tentem fazer isto em casa. Dos vários escolhidos, enófilos de escol ou só de folia, recebi um quase unânime:
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– Não é bom. Acho que nem é propriamente mau, é muito esquisito.
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Houve um que sentenciou:
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– É uma grande…
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Se tivesse sido um êxito, não revelaria a fórmula. Para memória de chacotas futuras, deixo a composição:
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Encruzado (15,3%), arinto (15,3%), chardonnay (15,3%), touriga franca (15,3%), alicante bouschet (15,3%), loureiro (7,7%) touriga nacional (7,2%), alvarinho (5,7%) e syrah (2,9%).
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Era suposto ser palheto, mas só consegui tinta de escrever, mas em encarnado.
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Com as sobras aproveitáveis criei uma pujança, uma espécie de tiro da Big Bertha, por isso dei-lhe a alcunha de Thor. Alvarinho (40%), syrah (33,4%) e touriga nacional (26,6%). Um pouco mais bronzeado do que o anterior, e mais bebível.
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Nota 1: Por incapacidade da caixa de etiquetas, deixo aqui a relação dos artistas cujas obras tiveram a infelicidade de ilustrar o meu vinho... Lawrence Alma-Tadema, Paul Delvaux, André Derain, Ticiano, Constant Troyon e Mårten Eskil Winge.
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Nota 2: A imagem principal designa-se por «O Alquimista» e é de autoria desconhecida, mas enquadrável no género alemão, estando datada de 1880.





sexta-feira, janeiro 16, 2015

Siza 2009 – muito mais do que um vinho

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A crónica é sobre vinho, garanto! Contudo, há mais coisas para escrever. Quem não quiser ler além do estritamente vínico que salte para onde o texto retoma a sua cor habitual.
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Tenho uma frustração: não segui belas artes. No tempo em que estava no liceu – Escola Secundária Gil Vicente – a minha primeira opção para prosseguir os estudos era pintura. O design atraía-me e a escultura nem por isso. Sonhava também com casas, mas arquitectura estava fora de opção.
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Acabei por desistir por causa de três cadeiras absolutamente inúteis para quem quer seguir pintura, design de comunicação ou escultura: matemática, física e química. Nunca percebi por que haveria de ser flagelado se quem ia para letras estava dispensado – aliás, a única via em que o terror estava ausente.
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Anos depois compreendo a minha frustração. O sentido de justiça e a falta de lógica toldavam-me a razão. Birra?... Penso que não. Olhando para esses anos e relativizando, percebo que seria justo que todas as hipóteses pedagógicas deveriam ter matemática. Isso, só por si iria fazer prosseguir os estudos sem ser por fuga.
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Mudei-me para letras – sem sacrifício, pois a escrita e a história sempre estiveram comigo como as artes plásticas. Não me sinto ou senti frustrado, propriamente, apenas desgostoso. Nunca fui bom aluno a matemática, desde a primeira classe. Até ao nono ano safei-me à tangente.
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No décimo e décimo primeiro a loiça era outra. Dizia-me uma Professora (com «p» bastante grande) que não compreendia como era possível ter as notas que obtinha, quando era o primeiro ou dos primeiros a entender a matéria.
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Na verdade, esses patamares de matemática foram, em toda a minha vida escolar, os que melhor entendi em números. Porém, a minha vocação era tão grande, que o resultado era em linguagem binária: 0 e 1 – zero e um!
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Tive explicadores e ajudas familiares. Entendia, tudo bem. Porém, chegada a véspera do teste todo o conhecimento se evaporava. Entendo hoje, a reacção psicológica… ter matemática, física e química não tinham lógica nem função. Já a geometria descritiva não me causava dores… fazia sentido para o futuro que ambicionava.
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Acabei por mudar de área vocacional. Cheguei ao 12º ano com 19 anos. Um professor – professorzeco, com «p» minúsculo – de filosofia gostava muito de ser gozão. Mas gozo humilhante. Na primeira aula decidiu tentar enxovalhar-me, por causa da idade com que chegava ao último ano do secundário.
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No final, dirigi-me a esse senhor – baixinho de altura e carácter – e enfrentei-o. Baixou os olhos e engasgou-se ligeiramente. Pelos vistos, nenhum aluno o enfrentara nos olhos e o contestara. Expliquei-lhe por que tinha 19 anos e ia terminar o ano lectivo com 20.
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Rancoroso, ainda tentou ensaiar alguns achincalhamentos. A minha resposta visual recuavam-no e seguia a tentativa de humilhação para outro aluno. Sempre muito capaz nas coisas das letras e com leituras acertadas, espantei-me quando saiu a nota da primeira avaliação: 2,5 valores.
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Percebi que não podia permanecer com o sujeitinho como professor. Anulei a matrícula e candidatei-me a exame nacional: 16 valores. Nas provas de admissão à faculdade, outros 16 valores. Confirmei o quanto era pequenino esse sujeitinho, que era professorzinho.
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Com demasiado tempo livre, na altura o 12º apenas tinha três cadeiras (hoje não sei) e eu tinha anulado uma, tornei-me jornalista em Janeiro de 1990, no Diário Económico. Cresci imenso e fiz-me mais crescido, mimetizando os mestres.
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Tardei em acabar o curso de história, e cedo percebi que não o iria utilizar, e cá continuo às voltas com reportagens, sobretudo. Disciplina maior do jornalismo, que tenho o privilégio de exercer regularmente.
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As artes não morreram. Ainda hoje desenho e pinto, com frequência insuficiente. Quem olhar para o blogue preto perceberá que a arte vive-me e que a uso não como ilustração, mas como complemento do texto, em diálise – embora haja situações em que são ilustrações e noutras em que a ilustração é o texto, em forma de legenda.
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Teimo em gostar de arquitectura e dou-me a liberdade de a julgar. Não tenho habilitações académicas ou de tarimba, mas se todos podemos discutir literatura, música ou cinema, por que não arquitectura?!
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Bem, a arquitectura não é uma ciência artística, embora alguns arquitectos e paisanos pensem que sim. A arquitectura, como o design ou a enologia, é saber técnico. A estética vem por acréscimo – certo disso é que nunca aspirei a seguir arquitectura, licenciatura que, à época, era ministrada nas faculdades de belas artes. Tanto quanto sei, hoje está enquadrada em universidades técnicas.
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Sendo arte ou ciência técnica, a arquitectura pode ser discutida pelos curiosos e ignorantes, como tudo. Viva a liberdade! Álvaro Siza Vieira é um dos melhores arquitectos do mundo, vencedor do Prémio Pritzker, referente a 1998, pelo Pavilhão de Portugal na Exposição Internacional de Lisboa. Aquela pala é fantástica e espero que o engenheiro – deve ter passado semanas acordado – que fez os cálculos estruturais tenha ganho também um troféu, não consegui apurar.
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Nas minhas liberdades de discussão de arquitectura, afirmo que detesto o trabalho de Álvaro Siza Vieira. Em parte é para chatear a minha prima, Maria Carolina Palma, que exerce e tem nesse arquitecto do Porto um marco de referência.
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Um dia disse-lhe desastradamente:
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– A arquitectura do Siza Vieira não é gira!
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Deu-me uma resposta em forma de tiro de canhão:
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– Giros têm de ser os brincos.
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Assunto arrumado.
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Na verdade, o que me chateia na obra de Siza Vieira é a obsessão pelo branco. Não é a síntese do traço ou o conceito dos edifícios. É o branco, que se torna melancólico. Para melancólico basto eu!
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É certo que são conhecidas bizarrias, (birras) e teimas. Quem as não tem? Tratando-se de trabalho (técnico) criativo, Siza Vieira tem todo o direito de defender a sua estética e de a exercer.
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Não vou enumerar o que gosto e não gosto nos edifícios de Siza Vieira, digo somente que o Pavilhão de Portugal é uma construção que o mundo merece ver, nem que seja em fotografia.
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Tenho tido a possibilidade de ver e tocar desenhos, em liberdade, de Álvaro Siza Vieira, nomeadamente na Quinta do Vale Meão. À solta, em rótulos ou por aí, os traços agradam-me muito.
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Enófilo, já se percebeu, tem concretizado adegas e rótulos. A Adega Mayor, em Campo Maior, é um objecto para se ver. O rótulo que se mostra no vinho que Rui Azinhais Nabeiro – homem dos maiores que Portugal deu à luz – é duma simplicidade, ou síntese, arrasadora.
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Tratando-se dum vinho de homenagem, o Siza 2009, não o irei classificar com uma nota redutora, ainda que assumidamente subjectiva e excêntrica. Não tenho esse direito. É uma homenagem que um amigo fez ao outro.
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Bonito – como os brincos que a minha prima me atirou à prosápia – o rótulo não é uma ilustração, mas parte integrante dum objecto que se faz também de vinho. O vinho, pretexto para esta crónica, é obra dos enólogos Paulo Laureano, o chefe, e Rita Carvalho, que tenho pena ter deixado de exercer.
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O que é este Siza 2009? É um abraço alentejano, que a casta alicante bouschet deu o corpo e o espírito. É um alentejano verdadeiro. É um vinho escuro, que se reflecte na cor do rótulo e se aviva no branco que Siza Vieira tanto aprecia.
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Não quero falar em descritores, que são coisas a que não dou um valor determinante. Porém sublinho o cacau e a potência educada como se revela na boca.
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Produziram-se apenas 2.500 garrafas. Ainda bem que são poucas, pois acrescentam valor ao desejo de o beber. Álvaro Siza Vieira e Rui Azinhais Nabeiro merecem um vinho destes.
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Origem: Regional Alentejano
Produtor: Adega Mayor
Nota: X/10

Pala da Lebre Branco 2013

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A crónica é sobre vinho, garanto! Contudo, há mais coisas para escrever. Quem não quiser ler além do estritamente vínico que salte para onde o texto retoma a sua cor habitual.
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Vinho sem emoção tem interesse? Talvez tanto quanto quando é bebido por beber. Os momentos fazem os vinhos. Nem sempre os vinhos fazem os momentos. Viver é muito mais do que prazer e ter um só prazer sabe-me a poucachinho.
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As artes plásticas, sobretudo a pintura, dão-me um prazer que não substitui o vinho, nem por ele é substituível. A elas posso juntar a música, a heráldica cívica ou vida de dois países que inventei quando era criança e que mantenho porque o devo.
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Um só copo pode ser exagero e duas garrafas um défice. Como os beijos e as zangas. Tanto já se disse escreveu acerca dos momentos e emoções e seus acompanhamentos báquicos. A eles junto a estética visual.
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O vinho é várias coisas e uma delas pode ser manifestação artística. Ao mesmo tempo, o seu embrulho pode dar-lhe valor, diferenciação ou coisa nenhuma. Infelizmente, a sensibilidade artística é escassa, falta «mundo» a muitos produtores. Há vinhos que se bocejam, tal como rótulos.
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Nem todas as casas podem aspirar a serem – em euros disponíveis para a arte – o Château Mouton Rothschild. As garrafas desta vinícola do Médoc conheceram obras exclusivas de Picasso, Henry Moore, Kandinsky… é assim desde 1924. Por cá temos o Esporão, que aposta nos artistas portugueses.
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Volta e meia deparo-me com preciosidades. Sim, os olhos comem e já comprei vinhos por causa dos rótulos. Por que não?! Uns valiam a pena e outros não. O mesmo se passou com o título da obra.
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Os vinhos Ninfa, do meu homónimo, são a mais recente descoberta artística, com os seus sólidos impossíveis. Aliás, penúltima, porque chegou-me uma garrafa de Pala da Lebre. A 29 de Junho de 2014 publiquei uma nota acerca da nova imagem deste produtor duriense. Desde esse dia que está prometido um texto acerca do vinho enviado para prova.
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É chegado o tempo. Agora, porque sim. Agora, por que não?! Coisas da vida, nas suas larguras, alturas, comprimentos e espessuras, que me abstenho de esmiuçar. É agora!
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Já se percebeu que me maravilhei com o rótulo deste branco. Basta olhar para o blogue encarnado para se perceber que não gosto de lá ter ilustrações. Não bem não gostar, é não reconhecer interesse estético no que mostram.
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O trabalho foi concebido pela Essência do Vinho, mas os créditos devem ser atribuídos a Maria Adão. O Pala da Lebre é infantil, é a capa dum livro de estórias que uma avó lê ao neto. Mais do que belo, é terno; e a ternura é confortável. Não sugiro que se esteja a incentivar o consumo de álcool por parte das crianças. Realço o calor que me transmite.
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Embora seja difícil acontecer, uma vinha pode ser tão entediante quanto uma máquina de engarrafamento. Quando não o é? Quando quem olha aprecia a natureza, das ervinhas à bicheza.
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O rótulo do Pala da Lebre tem as árvores, os montes e as vinhas; animais que se recolhem à capoeira e outros que são vadios. Fechado numa cidade aberta, vi-me em descanso campestre, enquanto o bebia e acompanhava com… não me lembro.
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O afecto e o prazer contaminam, mas tentarei ser justo, ainda que assuma toda a subjectividade a que tenho direito neste bloco público. À nota atribuída, 0,5 ponto é prazer visual.
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O Douro encanta-me e o seu vinho dá-lhe mais luzires. Daí obtenho os tintos mais prazenteiros – generalizando – e brancos diferenciados. O Pala da Lebre Branco 2013 responde ao que gosto de encontrar.
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A região tem as alegrias da personalidade e da família. O Douro sabe a Douro. Este branco tem aquele leve adocicado – que não é – petulante, que se conjuga com a terra e as ervas bravias em secagem.
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Rui Walter da Cunha é o responsável pela enologia. As castas são as gouveio, rabigato e malvasia fina. O Douro sabe a Douro. Não é um vinho poderoso, mas tem volume e elegância – esta última nem sempre se consegue por lá. Na garrafa cabem maçãs granny smith sem euforia, a lembrança de rebuçado e restolho. Na boca mostrou-se equilibrado e fresco. Faltam-lhe 100 metros, podia o final ser mais longo.
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Origem: Douro
Produtor: Patamar Ancestral
Nota: 7,5/10
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Nota: Este vinho foi enviado para prova pelo produtor.