sexta-feira, janeiro 16, 2015

Siza 2009 – muito mais do que um vinho

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A crónica é sobre vinho, garanto! Contudo, há mais coisas para escrever. Quem não quiser ler além do estritamente vínico que salte para onde o texto retoma a sua cor habitual.
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Tenho uma frustração: não segui belas artes. No tempo em que estava no liceu – Escola Secundária Gil Vicente – a minha primeira opção para prosseguir os estudos era pintura. O design atraía-me e a escultura nem por isso. Sonhava também com casas, mas arquitectura estava fora de opção.
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Acabei por desistir por causa de três cadeiras absolutamente inúteis para quem quer seguir pintura, design de comunicação ou escultura: matemática, física e química. Nunca percebi por que haveria de ser flagelado se quem ia para letras estava dispensado – aliás, a única via em que o terror estava ausente.
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Anos depois compreendo a minha frustração. O sentido de justiça e a falta de lógica toldavam-me a razão. Birra?... Penso que não. Olhando para esses anos e relativizando, percebo que seria justo que todas as hipóteses pedagógicas deveriam ter matemática. Isso, só por si iria fazer prosseguir os estudos sem ser por fuga.
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Mudei-me para letras – sem sacrifício, pois a escrita e a história sempre estiveram comigo como as artes plásticas. Não me sinto ou senti frustrado, propriamente, apenas desgostoso. Nunca fui bom aluno a matemática, desde a primeira classe. Até ao nono ano safei-me à tangente.
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No décimo e décimo primeiro a loiça era outra. Dizia-me uma Professora (com «p» bastante grande) que não compreendia como era possível ter as notas que obtinha, quando era o primeiro ou dos primeiros a entender a matéria.
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Na verdade, esses patamares de matemática foram, em toda a minha vida escolar, os que melhor entendi em números. Porém, a minha vocação era tão grande, que o resultado era em linguagem binária: 0 e 1 – zero e um!
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Tive explicadores e ajudas familiares. Entendia, tudo bem. Porém, chegada a véspera do teste todo o conhecimento se evaporava. Entendo hoje, a reacção psicológica… ter matemática, física e química não tinham lógica nem função. Já a geometria descritiva não me causava dores… fazia sentido para o futuro que ambicionava.
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Acabei por mudar de área vocacional. Cheguei ao 12º ano com 19 anos. Um professor – professorzeco, com «p» minúsculo – de filosofia gostava muito de ser gozão. Mas gozo humilhante. Na primeira aula decidiu tentar enxovalhar-me, por causa da idade com que chegava ao último ano do secundário.
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No final, dirigi-me a esse senhor – baixinho de altura e carácter – e enfrentei-o. Baixou os olhos e engasgou-se ligeiramente. Pelos vistos, nenhum aluno o enfrentara nos olhos e o contestara. Expliquei-lhe por que tinha 19 anos e ia terminar o ano lectivo com 20.
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Rancoroso, ainda tentou ensaiar alguns achincalhamentos. A minha resposta visual recuavam-no e seguia a tentativa de humilhação para outro aluno. Sempre muito capaz nas coisas das letras e com leituras acertadas, espantei-me quando saiu a nota da primeira avaliação: 2,5 valores.
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Percebi que não podia permanecer com o sujeitinho como professor. Anulei a matrícula e candidatei-me a exame nacional: 16 valores. Nas provas de admissão à faculdade, outros 16 valores. Confirmei o quanto era pequenino esse sujeitinho, que era professorzinho.
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Com demasiado tempo livre, na altura o 12º apenas tinha três cadeiras (hoje não sei) e eu tinha anulado uma, tornei-me jornalista em Janeiro de 1990, no Diário Económico. Cresci imenso e fiz-me mais crescido, mimetizando os mestres.
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Tardei em acabar o curso de história, e cedo percebi que não o iria utilizar, e cá continuo às voltas com reportagens, sobretudo. Disciplina maior do jornalismo, que tenho o privilégio de exercer regularmente.
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As artes não morreram. Ainda hoje desenho e pinto, com frequência insuficiente. Quem olhar para o blogue preto perceberá que a arte vive-me e que a uso não como ilustração, mas como complemento do texto, em diálise – embora haja situações em que são ilustrações e noutras em que a ilustração é o texto, em forma de legenda.
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Teimo em gostar de arquitectura e dou-me a liberdade de a julgar. Não tenho habilitações académicas ou de tarimba, mas se todos podemos discutir literatura, música ou cinema, por que não arquitectura?!
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Bem, a arquitectura não é uma ciência artística, embora alguns arquitectos e paisanos pensem que sim. A arquitectura, como o design ou a enologia, é saber técnico. A estética vem por acréscimo – certo disso é que nunca aspirei a seguir arquitectura, licenciatura que, à época, era ministrada nas faculdades de belas artes. Tanto quanto sei, hoje está enquadrada em universidades técnicas.
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Sendo arte ou ciência técnica, a arquitectura pode ser discutida pelos curiosos e ignorantes, como tudo. Viva a liberdade! Álvaro Siza Vieira é um dos melhores arquitectos do mundo, vencedor do Prémio Pritzker, referente a 1998, pelo Pavilhão de Portugal na Exposição Internacional de Lisboa. Aquela pala é fantástica e espero que o engenheiro – deve ter passado semanas acordado – que fez os cálculos estruturais tenha ganho também um troféu, não consegui apurar.
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Nas minhas liberdades de discussão de arquitectura, afirmo que detesto o trabalho de Álvaro Siza Vieira. Em parte é para chatear a minha prima, Maria Carolina Palma, que exerce e tem nesse arquitecto do Porto um marco de referência.
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Um dia disse-lhe desastradamente:
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– A arquitectura do Siza Vieira não é gira!
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Deu-me uma resposta em forma de tiro de canhão:
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– Giros têm de ser os brincos.
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Assunto arrumado.
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Na verdade, o que me chateia na obra de Siza Vieira é a obsessão pelo branco. Não é a síntese do traço ou o conceito dos edifícios. É o branco, que se torna melancólico. Para melancólico basto eu!
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É certo que são conhecidas bizarrias, (birras) e teimas. Quem as não tem? Tratando-se de trabalho (técnico) criativo, Siza Vieira tem todo o direito de defender a sua estética e de a exercer.
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Não vou enumerar o que gosto e não gosto nos edifícios de Siza Vieira, digo somente que o Pavilhão de Portugal é uma construção que o mundo merece ver, nem que seja em fotografia.
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Tenho tido a possibilidade de ver e tocar desenhos, em liberdade, de Álvaro Siza Vieira, nomeadamente na Quinta do Vale Meão. À solta, em rótulos ou por aí, os traços agradam-me muito.
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Enófilo, já se percebeu, tem concretizado adegas e rótulos. A Adega Mayor, em Campo Maior, é um objecto para se ver. O rótulo que se mostra no vinho que Rui Azinhais Nabeiro – homem dos maiores que Portugal deu à luz – é duma simplicidade, ou síntese, arrasadora.
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Tratando-se dum vinho de homenagem, o Siza 2009, não o irei classificar com uma nota redutora, ainda que assumidamente subjectiva e excêntrica. Não tenho esse direito. É uma homenagem que um amigo fez ao outro.
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Bonito – como os brincos que a minha prima me atirou à prosápia – o rótulo não é uma ilustração, mas parte integrante dum objecto que se faz também de vinho. O vinho, pretexto para esta crónica, é obra dos enólogos Paulo Laureano, o chefe, e Rita Carvalho, que tenho pena ter deixado de exercer.
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O que é este Siza 2009? É um abraço alentejano, que a casta alicante bouschet deu o corpo e o espírito. É um alentejano verdadeiro. É um vinho escuro, que se reflecte na cor do rótulo e se aviva no branco que Siza Vieira tanto aprecia.
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Não quero falar em descritores, que são coisas a que não dou um valor determinante. Porém sublinho o cacau e a potência educada como se revela na boca.
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Produziram-se apenas 2.500 garrafas. Ainda bem que são poucas, pois acrescentam valor ao desejo de o beber. Álvaro Siza Vieira e Rui Azinhais Nabeiro merecem um vinho destes.
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Origem: Regional Alentejano
Produtor: Adega Mayor
Nota: X/10

Pala da Lebre Branco 2013

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A crónica é sobre vinho, garanto! Contudo, há mais coisas para escrever. Quem não quiser ler além do estritamente vínico que salte para onde o texto retoma a sua cor habitual.
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Vinho sem emoção tem interesse? Talvez tanto quanto quando é bebido por beber. Os momentos fazem os vinhos. Nem sempre os vinhos fazem os momentos. Viver é muito mais do que prazer e ter um só prazer sabe-me a poucachinho.
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As artes plásticas, sobretudo a pintura, dão-me um prazer que não substitui o vinho, nem por ele é substituível. A elas posso juntar a música, a heráldica cívica ou vida de dois países que inventei quando era criança e que mantenho porque o devo.
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Um só copo pode ser exagero e duas garrafas um défice. Como os beijos e as zangas. Tanto já se disse escreveu acerca dos momentos e emoções e seus acompanhamentos báquicos. A eles junto a estética visual.
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O vinho é várias coisas e uma delas pode ser manifestação artística. Ao mesmo tempo, o seu embrulho pode dar-lhe valor, diferenciação ou coisa nenhuma. Infelizmente, a sensibilidade artística é escassa, falta «mundo» a muitos produtores. Há vinhos que se bocejam, tal como rótulos.
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Nem todas as casas podem aspirar a serem – em euros disponíveis para a arte – o Château Mouton Rothschild. As garrafas desta vinícola do Médoc conheceram obras exclusivas de Picasso, Henry Moore, Kandinsky… é assim desde 1924. Por cá temos o Esporão, que aposta nos artistas portugueses.
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Volta e meia deparo-me com preciosidades. Sim, os olhos comem e já comprei vinhos por causa dos rótulos. Por que não?! Uns valiam a pena e outros não. O mesmo se passou com o título da obra.
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Os vinhos Ninfa, do meu homónimo, são a mais recente descoberta artística, com os seus sólidos impossíveis. Aliás, penúltima, porque chegou-me uma garrafa de Pala da Lebre. A 29 de Junho de 2014 publiquei uma nota acerca da nova imagem deste produtor duriense. Desde esse dia que está prometido um texto acerca do vinho enviado para prova.
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É chegado o tempo. Agora, porque sim. Agora, por que não?! Coisas da vida, nas suas larguras, alturas, comprimentos e espessuras, que me abstenho de esmiuçar. É agora!
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Já se percebeu que me maravilhei com o rótulo deste branco. Basta olhar para o blogue encarnado para se perceber que não gosto de lá ter ilustrações. Não bem não gostar, é não reconhecer interesse estético no que mostram.
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O trabalho foi concebido pela Essência do Vinho, mas os créditos devem ser atribuídos a Maria Adão. O Pala da Lebre é infantil, é a capa dum livro de estórias que uma avó lê ao neto. Mais do que belo, é terno; e a ternura é confortável. Não sugiro que se esteja a incentivar o consumo de álcool por parte das crianças. Realço o calor que me transmite.
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Embora seja difícil acontecer, uma vinha pode ser tão entediante quanto uma máquina de engarrafamento. Quando não o é? Quando quem olha aprecia a natureza, das ervinhas à bicheza.
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O rótulo do Pala da Lebre tem as árvores, os montes e as vinhas; animais que se recolhem à capoeira e outros que são vadios. Fechado numa cidade aberta, vi-me em descanso campestre, enquanto o bebia e acompanhava com… não me lembro.
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O afecto e o prazer contaminam, mas tentarei ser justo, ainda que assuma toda a subjectividade a que tenho direito neste bloco público. À nota atribuída, 0,5 ponto é prazer visual.
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O Douro encanta-me e o seu vinho dá-lhe mais luzires. Daí obtenho os tintos mais prazenteiros – generalizando – e brancos diferenciados. O Pala da Lebre Branco 2013 responde ao que gosto de encontrar.
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A região tem as alegrias da personalidade e da família. O Douro sabe a Douro. Este branco tem aquele leve adocicado – que não é – petulante, que se conjuga com a terra e as ervas bravias em secagem.
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Rui Walter da Cunha é o responsável pela enologia. As castas são as gouveio, rabigato e malvasia fina. O Douro sabe a Douro. Não é um vinho poderoso, mas tem volume e elegância – esta última nem sempre se consegue por lá. Na garrafa cabem maçãs granny smith sem euforia, a lembrança de rebuçado e restolho. Na boca mostrou-se equilibrado e fresco. Faltam-lhe 100 metros, podia o final ser mais longo.
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Origem: Douro
Produtor: Patamar Ancestral
Nota: 7,5/10
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Nota: Este vinho foi enviado para prova pelo produtor.