Elogiar os moscatéis da firma José Maria da Fonseca (JMF) é
como noticiar a derrapagem das contas públicas portuguesas. Vira o disco e toca
o mesmo: os Governos falham e esta empresa acerta.
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Confesso que tenho grande simpatia por esta casa, que começou
pelos produtos, consequentemente pelos técnicos e gestores que o permitem, e
hoje se estende à família proprietária, que vai na sexta geração. Contudo,
penso ter o distanciamento suficiente para avaliar o que ali se faz, até porque conto com 26 anos de jornalismo, tempo mais do que suficiente para saber
controlar emoções e adjectivos. Além de que os textos publicados na Garrafeira
do Infotocopiável (nova designação, mas com o mesmo endereço) não são notícias,
mas opiniões, como tal subjectivos.
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Um dos aspectos que merece uma vénia é o cuidado com as
plantas, que não começou agora, traduzido na maior colecção ampelográfica de
castas em Portugal. Um acervo que permite o estudo, com as vantagens que daí advém
na biologia, viticultura, história, preservação, oportunidade de criação de produtos,
etc.
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Se hoje existe vinho Bastardinho, outrora também conhecido
por Vinho do Lavradio, resulta das compras efectuadas ao último viticultor da
casta bastardo da Península de Setúbal. A vinha deu lugar a cidade e, décadas
depois, uma nova nasceu por via da lavoura da JMF.
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Outro exemplo é o da variedade que faz o vinho aqui em
análise, a moscatel roxo. Há uns anos restava um hectare, na Quinta de
Camarate, propriedade desta empresa, e hoje há 40, dos quais dez são da JMF.
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O moscatel roxo tem permitido a Domingos Soares Franco,
enólogo-mor da JMF, andar a criar «terror», onde a partida maior que me pregou
foi o monovarietal de touriga franca (95%) - publiquei um texto na revista online Blend - All About Wine. O rosado desta casta tem sido um
sucesso, pese não me dar grande prazer. Se o mundo diz uma coisa e eu
outra, provavelmente (99,999999999…%) é ser eu o equivocado.
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O generoso (fortificado) Alambre Moscatel Roxo 2010 vem na linha de edições
anteriores. Fresco e convidativo, descontraído e com boas maneiras à mesa. É
fino, com subtileza, o que o torna perigoso. A gulodice não advém do açúcar,
mas dessa frescura e elegância.
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Não sei o que é essa coisa da relação entre a qualidade e o
preço, mas posso garantir o que é um valor seguro. Entendo a designação como
sinónimo de fiabilidade. O enófilo sistemático e o apreciador não militante têm
a certeza do que estão a comprar – seja qual for o critério de exigência, nível prazer, conta
bancária e disposição de pagar até determinado patamar, os elementos para o
estabelecimento dessa equação da relação do preço com a qualidade.
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O tal distanciamento que julgo ter para a avaliação faz-me
abster de divulgar a minha tabela de relação entre a qualidade e o preço. Este
blogue reflecte apenas o meu gosto pessoal, sendo as notas inteiramente
subjectivas. Porém, em casos em que a apreciação me pareça confrontar a
qualidade, coloco esse facto em evidência, para que possa ser feito o desconto.
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Percebi que a casta moscatel roxo fica aquém (gosto) da
moscatel de alexandria – o que não desfaz. No tal monovarietal resulta
fantástico. Até pelo que escrevi acima, com isto não digo que se arranquem as
vinhas do moscatel roxo para pôr a preferida.
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Resumando e concluando. Belíssimo vinho cuja nota dou uma
margem de 0,5 pontos. Ou seja, penso que, se me abstiver do prazer
pessoal, a nota estará meio ponto acima. Note-se que a escala (subjectiva) é
decimal, mas em que o 3 é positivo – não vejo vantagem em estabelecer patamares para o «evitável» ou o «reprovado». Acresce outro pormenor; é uma escala aberta
como a de Richeter.
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Denominação: Mocatel Roxo de Setúbal
Produtor: José Maria da Fonseca
Nota: 6,5/10
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