Tenho vergonha! Muita vergonha! Os vinhos Duas Quintas
celebraram 25 anos em Maio e escrevo no Fevereiro seguinte. Os tempos foram
alucinantes, por várias razões. Apercebi-me da velocidade quando notei que está
prestes a cumprir-se um ano sobre a morte do meu pai – literalmente parece ter
sido ontem.
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Desculpas, justificações e intimidades à parte, os Duas
Quintas completaram um quarto de século. Recordo-me que a estreia causou
sensação entre os enófilos portugueses. Muito embora já existissem vinhos de grande
qualidade, o facto é que eram muito menos numerosos do que hoje.
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Se, por um lado, isso beneficia esta marca, em termos de
notoriedade, por outro não é razão de injustiça. Vindima após vindima, a
qualidade manteve-se, acompanhando as características climatológicas. Não há
anos iguais, não há Duas Quintas iguais.
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O primeiro Duas Quintas reporta-se a 1990, sendo um tinto. O
ano seguinte conheceu o primeiro Duas Quintas Reserva, também tinto. O nome
resulta da junção de uvas da Quinta dos Bons Ares e da Quinta de Ervamoira.
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Não vale a pena contar a história de Ervamoira, pois muito
se escreveu e é facílimo encontrar na internet os elementos que a constituem.
Ainda assim, não resisto a nomear alguns factos históricos. Para uns será
recordação, para outros é um tempo que não conheceram, de viragem do país e do
mundo.
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Enquadramento histórico
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A História Contemporânea Portuguesa tem vários marcos no
século XX, em que os mais importantes são o regicídio de Dom Carlos e do
Príncipe Real, Dom Luís Filipe, a 1 de Fevereiro de 1908; a implantação da República,
a 5 de Outubro de 1910 – véspera em Loures; a caótica Primeira República; o golpe de Estado de 28
de Maio de 1926, que antecipou o estabelecimento da Segunda República, a 19 de
Março de 1933, designada por Estado Novo; a Guerra Colonial ou Guerra da
Libertação (Angola, Fevereiro de 1961, Guiné, Julho de 1961, e Moçambique,
Setembro de 1961), como é designada nos Estados que nasceram das antigas
colónias, e da tomada dos territórios na Índia, de Goa, Damão e Diu por parte
da União Indiana (18 e 19 de Dezembro de 1961); Golpe de Estado de 25 de Abril
de 1974 e Revolução subsequente, que veio a permitir a instauração da
Democracia, a actual Terceira República, embora com um período inicial de risco
de nascimento duma ditadura comunista, que quase levou a um guerra civil, sendo
o término do chamado Período da Revolução em Curso (PREC) a 25 de Novembro de
1975 (merecia ser feriado); da adesão de Portugal à Comunidade Económica
Europeia (1 de Janeiro de 1986 – Tratado de Adesão assinado em 12 de Junho de
1985) – além da estabilização governativa, deste este último facto adveio a
entrada massiva de dinheiros europeus, com inúmeros episódios de esbanjamento,
oportunismo e novo-riquismo, desestatização da economia.
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Em termos mundiais, o século XX foi o mais violento da
História, com dois conflitos mundiais, inúmeros regimes autoritários, de
Esquerda e de Direita, sendo particularmente criminosos o Fascismo-Nazismo e ultranacionalismo do
Império do Japão – sobretudo o segundo com centro na Alemanha, com o desumano Adolf
Hitler, mas muito igualmente onde se desenrolou a acção japonesa – e o
Comunismo – desde a Revolução Russa de 1917, que desembocaria no nascimento da
União Soviética, desde o tempo de Lenine até ao seu término em 1991 –, sendo particularmente
tenebroso com Estaline, além do regime na República Popular da China, com Mao
Tse-Tung, e do Camboja, de Pol Pot. Do lado oposto, embora praticado por um
país (supostamente) democrático, os Estados Unidos da América, a Guerra do
Vietname. O período da Guerra Fria, entre 1945 e 1991, ficou marcado pelas
guerras indirectas, desencadeadas e apoiadas pelas duas superpotências (EUA e
URSS), que alimentaram ditaduras pelo planeta.
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Os vinhos Duas Quintas nascem no contexto do final da Guerra
Fria, onde um marco notável foi a queda do Muro de Berlim (13 de Agosto de 1961
a 9 de Novembro de 1989), que dividia a actual capital alemã, entre a ditadura
comunista da República Democrática Alemã e a democrática República Federal
Alemã, à qual se viriam a juntar os territórios libertados. Foi o princípio da
tranquilização, após a sombra duma nova guerra mundial, com uso de armas
atómicas.
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Em termos menos dramáticos, a cultura popular em Portugal modificou-se,
com o surgimento do chamado «nascimento do rock português» – injustificado,
pois já surgiram músicos a adoptar o pop/rock na década de sessenta – que se desenvolveu e sedimentou, assinalando
uma despolitização dos conteúdos musicais.
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Um reflexo do momento da transição política escutou-se com o
sucesso «Portugal e a CEE», dos GNR, ainda sem Rui Reininho ao microfone,
lançado em Março de 1981, sendo Alexandre Soares o vocalista – espero estar certo. Outro ponto significativo foi a construção da
Barragem de Foz Côa… passo a contar.
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Em 1987, Aníbal Cavaco Silva conseguiu a primeira maioria
absoluta em Portugal, renovada em 1991. O período de deslumbramento e
novo-riquismo do «cavaquismo» teve tiques de arrogância governativa. Em 1994,
os portugueses começaram a demonstrar saturação do estilo político, assinalando-se
o momento simbólico do buzinão contra o aumento das portagens da Ponte 25 de
Abril e posterior bloqueio de camionistas e apoio popular.
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No ano seguinte foi o tombo final. Nesse ano, a sociedade
portuguesa uniu-se contra a construção da Barragem de Foz Côa, que inundaria um
património ímpar mundial, gravuras rupestres, datadas desde o Paleolítico
Superior até ao século XX.
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À porta do emblemático Mosteiro dos Jerónimos, acamparam arqueólogos
em sinal de protesto e de divulgação. Na música estava em alta o tema «Não sabe nadar», os Black Company. Depressa o refrão mudou:
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Bantú não sabe
nadar yo
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K.J.B. não sabe nadar yo
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Madnigga não sabe nadar yo
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Makkx não sabe nadar yei.
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K.J.B. não sabe nadar yo
.
Madnigga não sabe nadar yo
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Makkx não sabe nadar yei.
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Transformou-se
em:
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As gravuras não
sabem nadar! Yo.
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Uma ajuda veio do
duque de Bragança, que se casou naquela igreja, que assinou a petição dos
arqueólogos.
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A campanha correu
muito e a arrogância governativa não cedeu, partiu-se. A 6 de Outubro, os
portugueses escolheram o Partido Socialista, de António Guterres, que prometeu uma governação de diálogo.
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Ora, essa represa de Foz Côa não iria destruir apenas
património histórico mundial, mas a Quinta de Ervamoira. Salvas as vinhas,
salvaguardado o interesse público, hoje é possível conhecer um pouco desse
espólio, num pequeno sítio museológico. Na vila de Foz Côa foi construído um
museu exemplar, inaugurado em 2009.
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Os vinhos do quarto de século
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O Duas Quintas Tinto 1990 mostrou-se fantástico, prometendo
mais anos de vida. Foi um ano com um Inverno chuvoso e um Verão quente e seco,
o que colocou desafios aos técnicos da Ramos Pinto. Fez-se com uvas de touriga
francesa (50%), tinta roriz (25%), tinta barroca (15%) e touriga nacional (10%),
sendo engarrafado, após estágio em barricas de carvalhos francês, em Fevereiro
de 1992.
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O Duas Quintas Reserva Tinto 1991… se o primeiro estava
fantástico, este ficou acima. Muito vivo e apetecível. As uvas foram sobretudo
de Ervamoira (80%). O vinho estagiou nove meses em casco de carvalhos português
e francês, tendo sido engarrafado dois anos após a vindima. O lote foi de
touriga francesa (60%), touriga nacional (20%) e tinta barroca (20%).
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A firma Ramos Pinto considera que 1994 foi o ano da década,
com as características climatológicas avaliadas como perfeitas.
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O Duas Quintas Tinto 1994 está em grande forma, com grande
vitalidade. Porém, achei-o excessivo, cansou-me. Apenas 20% do vinho estagiou
em madeira, em pipas de carvalho português com dois e três anos de uso, durante
seis meses. O lote é de touriga francesa (45%), tinta roriz (40%) e touriga
nacional (15%).
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Excelentíssimo, o Duas Quintas Reserva Tinto 1994. Um néctar
fabuloso. Após a fermentação maloláctica, 40% do vinho estagiou em cascos de
carvalhos português e francês, durante nove meses. O engarrafamento aconteceu
dois anos após a vindima. O lote é de touriga nacional (50%), touriga francesa
(30%) e tinta barroca (20%).
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O ano 2000 também correu de feição. O Duas Quintas Branco
2000 está para as curvas. Metade do vinho fermentou em cubas de inox e a outra
parte em madeira nova de carvalho francês. De acordo com a ficha técnica, o
lote é de «mistura» (?! – 30%), rabigato (30%), viosinho (20%) e arinto (20%).
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Muito bem está o Duas Quintas Reserva Tinto 2000. Após a
maloláctica, 80% do vinho estagiou um ano em barricas de carvalho francês,
tendo sido engarrafado dois anos após a vindima, depois de 365 dias em garrafa.
O lote é de touriga nacional (50%), touriga francesa (30%), tinta barroca (10%)
e tinta roriz (10%).
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Nota 1: Música «Portugal e a CEE», dos GNR.
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Nota 2: Música «Não sabe nadar», dos Black Company.
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