A fabricação de vinho em recipientes de barro tem séculos e
não é exclusivamente portuguesa. Contudo, o processo não deixa de estar na
tradição alentejana – cuja introdução é geralmente atribuída aos Romanos.
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O método caiu em desuso e perdeu-se o conhecimento de
produção das talhas. Como resultado, quem as quiser tem de as comprar a preços,
que dizem, elevados.
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Nada que não se resolva, pois no Cáucaso – onde se vinifica
em grandes ânforas – ainda são moldadas. Digo com a certeza dos ignorantes, é
só contratar um artesão e levá-lo ao Alentejo.
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A produção de vinho em talha é residual, mas tornou-se num
interessante produto de marketing. Há lotes parcialmente feitos nesses
depósitos – alguns com décadas, como nesta casa, onde não se trata de mero
argumento comercial – e quem se aventure na totalidade do processo.
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Os puristas afirmam que engarrafar vinhos de talha é uma
modernice, que não tem qualquer referência histórica nem tradição. Dizem que a
verdade habita nas tabernas alentejanas.
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Essa é discussão em que não me meto. Sei que o vinho vindo
da talha é diferente e que acrescenta paixão aos enófilos.
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A firma José Maria da Fonseca há muitos anos que utiliza
vinho em talha para fazer o lote do José de Sousa. Agora, apresenta um branco e
um tinto integralmente produzidos nas ânforas. O resultado é muito feliz, não
apenas pela diferença, mas também pela qualidade formal.
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Os Puro Talha Branco 2015 e Puro Talha Tinto 2015 foram
apresentados conjuntamente com as novidades aneiras da José Maria da Fonseca. O
momento de debutar assinalou também uma recolocação da Adega José de Sousa na
empresa-mãe. A ideia é a de autonomizar a marca, aproveitando a tradição
identitária e reputação da casa alentejana.
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Esta decisão vem fazer justiça, pois a Adega José de Sousa é
uma casa quase tão antiga quanto a José Maria da Fonseca – a alentejana reporta
a 1878 e a de Azeitão a 1834 –, com carácter próprio e reputação de qualidade.
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O José de Sousa 2015 é fiável – se há algo que muito aprecio
é a fiabilidade. Chateiam-me aqueles vinhos (referências) que umas vezes são
bons e noutras resultam maus. Isso não tem nada a ver com os anos, mas com a consistência.
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Certamente que uma referência tão antiga conheceu alterações
com o tempo. É mais do que provável subtis correcções de perfil do vinho. Os
consumidores substituem-se, mas outros mantêm-se. Compreendo que agradar aos
habituais e não deixar de seduzir os novos não seja tarefa fácil. Aqui há ainda
o respeito pela variação dos anos, mantendo-se o patamar da qualidade.
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O José de Sousa 2015 é uma junção das castas grand noir
(52%), trincadeira (33%) e aragonês (15%). Estes vinhos fazem parte da minha
memória. Nunca conseguirei ser totalmente isento na avaliação – refiro-me ao
gosto pessoal e com rótulo à vista. A parcialidade, no blogue, é assunto
reconhecido e assumido por mim. «Cientificamente» é igualmente um vinho de
grande qualidade. Ponderando, sinto-lhe o mesmo nível, tanto na a emoção quanto
na frieza.
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Embora o lote se tenha feito com as mesas castas, a
personalidade do José de Sousa Mayor 2015 é diferente: grand noir (58%),
trincadeira (30%) e aragonês (12%). Noto-o mais fresco, complexo e longo na
boca face ao anterior.
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J de José de Sousa
2014 é um grande vinho em qualquer parte do mundo. Este não foi da única
colheita que bebi, este pareceu-me estar mais alto. Porquê? Por todas aquelas
coisas que têm vinhos superiores: complexidade aromática e de paladar, evolução
no copo, comportamento e demora na boca. Essas coisas.
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Parece-me que chegou, ou vai chegando, a moda da
mineralidade. Os vinho da José de Sousa sempre tiveram essa característica,
herdada dos solos graníticos de Reguengos de Monsaraz. Os Puro Talha têm o
acrescento das notas barrentas, atribuídas pelas ânforas, e de salinidade.
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A malta da ciência encartada e a da verdadeira ciência aqui
não é chamada, ou então guarde a sapiência exacta na bata laboratorial ou na dos
equívocos. Não sei como avaliaria estes vinhos de talha se me aparecessem às
cegas.
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São estranhos. Não só os artesanais não se parecem com nada,
como estes, construídos por gente séria e competente, também não se parecem com
coisa nenhuma. Sabia o que estava a provar, depois beber, e houve erros de
paralaxe – não duvido, é a emoção. Contudo, a qualidade formal está lá.
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Quero lá saber das formalidades! Aqui no blogue reina o
sentimento. Com tempero de sensatez – nunca pontuei mal um vinho bom e que não
me agradasse na boca e no nariz –, digo que são dois belíssimos vinhos
estranhos. Um enófilo curioso e/ou com vontade de aprender, tem de conhecer os
Puro Talha, pois são muito didácticos.
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Na Adega José de Sousa existem 114 talhas – um tesouro,
literal em valor em euros e enológico. Os dois Puro Talha fizeram-se mantendo a
tradição do mandar tudo lá para dentro. O branco fez-se com antão vaz, diagalves
e manteúdo, em proporções não especificadas. O tinto com grand noir (50%),
trincadeira (30%), aragonês (10%) e moreto (10%).
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José de Sousa 2015
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Origem: Regional Alentejano
Produtor: José de Sousa / José Maria da Fonseca
Nota: 7/10
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José de Sousa Mayor 2015
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Origem: Regional Alentejano
Produtor: José de Sousa / José Maria da Fonseca
Nota: 8/10
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J de José de Sousa 2014
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Origem: Regional Alentejano
Produtor: José de Sousa / José Maria da Fonseca
Nota: 9/10
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Puro Talha Branco 2015
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Origem: Alentejo
Produtor: José de Sousa / José Maria da Fonseca
Nota: 8/10
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Puro Talha Tinto 2015
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Origem: Alentejo
Produtor: José de Sousa / José Maria da Fonseca
Nota: 8/10
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