Conheço Fernando Carpinteiro Albino há 20 anos e uns meses.
Pensava que era apenas 18, mas a memória deste lavrador alentejano está melhor
do que a minha, que tenho idade para ser seu filho.
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Julgava que o tinha conhecido, em 1995, quando estava no
Diário Económico e ele era vice-presidente da Confederação dos Agricultores de
Portugal. Contudo, ao metermos a conversa em dia, ele iluminou-me a memória.
Tinha-o conhecido dois anos antes, quando fiz uma reportagem para a SIC acerca
do preço do trigo,quando era presidente da Associação Nacional de Produtores de
Portugal.
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Fernando Carpinteiro Albino é agricultor em Elvas e só o
conhecia dos negócios dos cereais, embora imaginasse que a sua casa agrícola
tivesse mais actividades, tal como a maioria das explorações alentejanas.
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A empresa familiar (Sociedade Agrícola da Herdade da Torre
do Curvo) explora 3.000 hectares, divididos pelas herdades da Torre do Curvo,
Torre do Frade, Pereiras e Serra de Aires. Nela produz, além de vinha, trigo
rijo, aveia e girassol, cria gado bovino de raça alentejana, e explora montados
de sobro e de azinho.
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Ciente que estava de que teria várias culturas, ainda assim,
surpreendeu-me quando soube que produzia vinho. Ok, por que não? Foi apenas
coisa que não me ocorreu. A viticultura é um negócio relativamente recente,
remontando ao ano 2000, quando foram comprados 13,8 hectares de direitos de
vinha.
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As plantas foram postas junto à aldeia de Santo Aleixo,
entre Borba e Orada. Delas saiu, em 2004, o primeiro vinho, o Torre do Frade
Reserva. Desde então criou-se a marca Virgo, de gama inferior, embora de grande
qualidade.
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Voltando atrás, penso que vale a pena fazer um enquadramento
histórico. A Herdade da Torre do Frade foi constituída em 1384, sendo domínio
duma ordem religiosa. Em 1834, por ordem de Joaquim António de Aguiar, ministro
da Justiça do Rei Dom Pedro IV (Pedro I do Brasil), foram extintas, em
Portugal, as ordens religiosas. Decisão que valeria ao ministro a alcunha do
Mata Frades.
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As terras dos conventos, mosteiros, abadias e de mais
organizações religiosas foram vendidas em hasta pública. No Sul do Portugal,
nomeadamente no Alentejo, eram avantajados esses domínios. Foi uma oportunidade
doutros lavradores, uns mais ricos outros mais empreendedores, e de burguesia
urbana adquirirem a bom preço propriedades rurais.
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Foi o caso dos antepassados de Fernando Carpinteiro Albino,
que agarraram a propriedade. Com as gerações, o domínio familiar foi sendo
alargado, até serem alcançados os actuais 3.000 hectares.
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Com a revolução do 25 de Abril de 1974, o país agitou-se;
fraccionou-se entre esquerda e direita, entre Norte e Sul, tendo chegado à
beira duma guerra civil. A história, e o seu devido distanciamento, julgará o
que se passou no período entre 25 de Abril de 1974 e 26 de Setembro de 1976,
data da tomada de posse do primeiro Governo Constitucional.
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O tempo mais tumultuoso, desses primeiros tempos da Terceira
República, aconteceu entre Março de 1975 e 25 Novembro de 1975, quando se dá o
golpe militar, de forças afectas aos partidos democráticos. Esse dia marca o
fim da era em que o Partido Comunista Português tentou criar um regime
totalitário de esquerda, à moda das «democracias populares» das repúblicas da
Cortina de Ferro.
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No chamado Verão Quente, na verdade até antes, deram-se as
ocupações das propriedades agrícolas do Sul, sobretudo no Alentejo. Embora implantada
a democracia, levaram-se muitos anos até que a justiça fosse feita e devolvidos
os terrenos aos seus legítimos proprietários.
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A família Carpinteiro Albino teve a mesma sina dos restantes
lavradores alentejanos, tendo-lhe sido confiscadas as propriedades. Curioso é
que foi «por pouco», em Outubro de 1975, um mês antes do golpe democrático (o
segundo, depois de 1974). A desocupação deu-se a desocupação. As herdades foram
devolvidas, mas não os seus bens de trabalho. Das alfaias ficaram «um tractor
em estado de sucata e mais algumas alfaias que só serviam para ferro velho», diz
Carpinteiro Albino.
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Esse período negro (vermelho) causou atrasos e prejuízos na
agricultura e no desenvolvimento económico. Fernando Carpinteiro Albino
recuperou a casa agrícola e alargou-lhe as actividades, sendo o vinho o
píncaro.
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Voltando ao vinho, desde a primeira colheita que a chefia
técnica está a cargo de Paulo Laureano, um dos mais reconhecidos enólogos
portugueses. Os resultados mostram a aptidão da localização das vinhas e a
mestria técnica.
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No final de Maio visitei a exploração de Fernando
Carpinteiro Albino, onde me foram mostradas as novidades e alguns néctares
menos recentes. A ideia com que fiquei foi que são vinhos que evoluem bem,
mantendo frescura e graça.
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Da colecção de Carpinteiro Albino provei, se a memória não
me atraiçoa, Virgo Branco 2012, Virgo Tinto 2010, Torre do Frade Viognier 2011,
Torre do Frade Reserva Tinto 2007, Torre do Frade Reserva 2006 e Torre do Frade
Reserva Tinto 2005.
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Como já referi, os vinhos mais antigos estão em grande
forma. Não os tomarei em letra, passarei a referir as novidades:
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O Virgo Branco 2012 fez-se com 80% de arinto e 20% de
viognier. É um vinho fresco, para consumo imediato, embora se aguente por mais
algum tempo. A frescura advém-lhe das notas cítricas, que combinam com linhas
florais.
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Virgo Tinto 2010 foi o vinho que menos apreciei da panóplia
da casa, ainda assim de notável boa qualidade. Fez-se com aragonês (42%),
trincadeira (27%), sirah (21%) ealicante bouschet (10%). É um néctar que não
sendo linear também não foge para o curioso. É um vinho que preferi no nariz,
com frutos dos bosque e um leve chocolate preto. Na boca é elegante, com
taninos suaves.
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Torre do Frade Viognier 2011 (100% viognier) atira-se para
outro degrau, sendo claramente superior ao Virgo. É muito estruturado, untuoso,
guloso e com mineralidade. Possui um final que se prolonga. É muito elegante.
No nariz é menos complexo, mas com uma agradável parede cítrica, temperada por
pêssego em passa.
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Torre do Frade Reserva 2007 é de babar, pasmar e comentar. Está
do melhor, com complexidade nas provas olfactiva e gustativa. Fez-se com 50% de
alicante bouschet, 33% de trincadeira e 17% de aragonês. É muito completo, com
mirtilo, amoras, ameixa preta, chocolate preto, notas balsâmicas, finura de
noz-moscada e cravo-cabecinha. Na boca é potente, com acidez, prolongado no final.
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Virgo Branco 2012
Origem: Regional Alentejano
Nota: 6,5/10
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Virgo Tinto 2010
Origem: Regional Alentejano
Nota: 6/10
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Torre do Frade Viognier 2011
Origem: Regional Alentejano
Nota: 7,5/10
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Torre do Frade Reserva 2007
Origem: Regional Alentejano
Nota: 8/10
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