Num país pouco sofisticado, o Mateus Rosé nasceu
preciosidade. A par com o Faísca (mais tarde Lancers, da José Maria da
Fonseca), o Mateus tirou vestes negras de viúva dos portugueses e arejou este
país do «orgulhosamente sós». Se Portugal, durante a ditadura, era a preto e
branco, o Mateus deu-lhe cor e logo uma improvável, a rosa.
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Chatos sem visão, pretensiosos e de mais enochatos e
pedantes trataram de obscurecer este vinho tão (atipicamente) português.
Enquanto lá fora manteve fama, sendo que em alguns países, como os Estados
Unidos, é bem valorizado, por cá foi e é desdenhado por muita gente.
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Não sou exceção, mas, penso, que a idade me tem dado mais
incertezas quanto à minha infalibilidade e, ao mesmo tempo, menos complexos.
Tem-me tirado peneiras, basicamente. Gosto de vinho há mais de metade da minha
vida, embora cota não sou velho.
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Era miúdo quando a Lisboa mais jovem começou a sair à noite.
Comigo foi em 1986, tinha 16 anos. A noite tinha fauna, vestia-se e alindava-se,
havia estilo e glamour. Os sítios eram alternativos e desejados; havia multidão
ansiosa à porta do Frágil, onde a Guida (hoje na associação Abraço) impunha ditatorialmente
quem entrava, naquelas duas salas pequenas, criando ódios e respeitinho (este
menino era bonito e tinha estilo, nunca ficava à porta). Eu e a pandilha, sem
dinheiro, sem fígado e sem estômago para uísques e vodkas, embebedávamo-nos com
vinho. Era normal, não havia shots (que surgiram em 1991 – o Báltico, barzinho
que frequentava-mos foi dos primeiros, quicá o primeiro, com os agora célebres
cocktails B52).
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A vida tem-me mostrado a realidade. Reconheço agora a
aleivosia, arrogância, pesporrência e impertinência da minha juventude,
incluindo nos copos. Não tinha dinheiro para o que os «grandes» bebiam, pelo
que ia vinho… mas Mateus, nunca!
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Já adulto, comecei a trabalhar como jornalista no Diário
Económico (janeiro de 1990). Miúdo com piada e pinta, depressa adotado pelos
seniores, mestres e ídolos. Os mais velhos trabalhavam e iam a bares sisudos.
Não era farra, mas rotina. Sair à noite para tomar um copo num bar chato era o
máximo, fazia-me adulto. Eram templos admiráveis aos olhos sensíveis duma
criança de vinte anos que quase só conhecia discotecas e tascas. Havia vinho ao
jantar, mas nunca Mateus.
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Homem feito e enófilo preconceituoso e pretensioso (espero
estar curado) tinha vinho em casa. Mateus? Blheck! Credo, não! Mas a vida
mudou. Ou melhor, muda-nos, abre-nos os olhos. Bate-nos, dá-nos estalos,
chama-nos burros, estúpidos. Sevícias que nos damos a nós mesmos.
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Quando fiz o programa «Da Terra ao Mar», da RTP 2 (junho de
2004 a maio de 2007 e de junho de 2008 a maio de 2009) passei a lidar
muitíssimo mais de perto com a gente do vinho. Conheci malta que me ensinou,
tirou dúvidas, que simpática e educadamente me deu raspanetes, com paciência e
com o prazer (aqui tenho de mandar um forte abraço ao Paolo Nigra, fundamental
pelo grande aprofundamento do meu prazer com vinho). Com essa gente, com quem
hoje lido muito mais de perto, aprendi a respeitar os vinhos de grande
produção. Gente que me trouxe, aos dias, a dimensão dum Mateus Rosé ou Lancers
ou doutro block buster.
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Com imensos enólogos comecei a compreender que não é toda a
gente que faz um bom vinho, mas que um bom vinho se faz com boas uvas e/ou com
bons meios e material funcional. Com imensos enólogos comecei a compreender que
um vinho de qualidade, que todos os anos tem de manter um padrão e um perfil,
independentemente das condições, naturais é uma obra do caraças! Tal como a
arquitetura, a enologia é uma arte, mas é sobretudo uma disciplina técnica.
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Fazer Mateus Rosé não deve ser, por isso, trabalho para
qualquer um. É possível enganar todo o mundo. Mas não é possível enganar todo o
mundo para sempre. O Mateus terá tido evoluções de padrões, mas não engana.
Mateus Rosé é Mateus Rosé, se vende o que vende, anos e anos, e está aí para as
curvas, tem mesmo de ser bom.
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Não, o Mateus não é um vinho de château, embora se ilustre
com a setecentista Casa de Mateus, obra do arquiteto Nicolau Nasoni, residência
dos condes de Vila Real. Só no seu início houve ligação profissional entre a
família Guedes, produtora do vinho, e a Sousa Botelho e Albuquerque. As
relações amargaram, mas isso para aqui não interessa. Não é um château nem
pretende ser. É um vinho para quem se marimba para as denominações de origem
controlada, para as colheitas, para as castas. Mais do que um vinho, o Mateus é
uma bebida. Podem os marketeers da Sogrape dizer mesmo, e com razão, que é um
estilo de vida..
Repito: Podem os marketeers da Sogrape dizer mesmo, e com
razão, que é um estilo de vida. A publicidade sexy, relaxante, com gente de bem
com a vida, estilo e sofisticação não mente. É para isso que serve o Mateus. É
para as festas! Tem pouco álcool (11%), não é para chapão involuntário no
tanque. É para as conversas com gente gira e interessante que não quer (pelo
menos nesse momento) discutir o papel da estética nas sociedades ocidentais contemporâneas
após a queda do Muro de Berlim e até ao 11 de setembro. Como agora me apetece verão,
proximidade da praia, piscina, noite, luzes, música alta, descontração e miúdas
giras para seduzir (bah, quero lá saber que seja sexista e marialvista).
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A descontração de Mateus é pensada. Ainda que no início
pudesse haver uma certa ingenuidade, a verdade é que tudo foi pensado. E bem
pensado, porque bateu certo. A imagem da tradição vinícola e do bom-gosto e
estilo do palácio de Mateus e a forma arrojada da garrafa. O cantil, forma Mateus
muito imitada pelas concorrências, é antigo, foi ressuscitado para este vinho. Os
rótulos evoluíram, modernizaram-se na continuidade. Confesso que gosto mais do
look com maior destaque para a casa, mais antigo.
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A marca vale uma mina de ouro, razão pela qual na década de
90 surgiu a gama Mateus Signature, de posição bem acima nas prateleiras, que se
pretendia ascender. Não foi eficaz, mas melhor têm corrido os Sparkling e o
Aragonês (provavelmente no mundo deve chamar-se tempranillo). Mas Mateus,
Mateus, é o clássico rosé sem casta identificada, sem ano de colheita, sem
região, sem peneiras, mas com estilo. Serve-se fresco, diz a Sogrape. E serve-se, nunca experimentei ao natural nem me parece que algum dia o faça.
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Adoro o aroma a rebuçado de morango, a frescura na boca, o gás que ali faz mesmo parte.
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O Mateus é como o James Bond (para elas) ou como a Cat Woman
(para nós): não é para casar, mas para ter casos, pura diversão sem
consequências...
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Muitos podem admirar-se com a nota que vou dar a este vinho.
Relembro que a escala é subjectiva e está sujeita ao prazer dado. A qualidade é
sempre tida em conta, e isso aqui não falta. Quem tiver preconceitos ou quiser
implicar, que tenha chuva durante as férias de verão.
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Origem: Vinho de mesa (Portugal)
Produtor: Sogrape Vinhos
Nota: 7/10
3 comentários:
Grande artigo.
Só apetece pedir uma garrafa e brindar ás coisas boas que se fazem em Portugal!
O que falta a Portugal são muitos "Mateus Rosé".
Na vindima de 2008( http://magnacasta.com/blog/vindima2008 ), observámos o processo de recepção das uvas na Sogrape. Entre muitas coisas ficámos a saber que naquelas instalações as melhores uvas eram para o Mateus Rosé.
Desde aí tenho orgulho em saber que o Mateus Rosé tem uvas lá de casa. :-D
Parabéns pelo artigo.
Caro João Barbosa,
Parabens pelo seu comentário. Como énologo do Mateus rosé, confesso que me deu muito prazer e orgulho ler as suas palavras desassombradas e que tão bem espelham a realidade desta grande marca Portuguesa que durante tanto tempo foi maltratada. Felizmente hoje em dia esta situação em Portugal está a mudar graças a comentários como o seu e de outros lidéres de opinião.
Atentamente,
Miguel Pessanha
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