Vou aqui cometer uma quase inconfidência. Quase, porque vou contar uma estória verídica, sem nada de escandaloso ou grave, mas não revelarei nomes. O interessante do episódio está no prazer do vinho e no prazer pessoal que dele se tira.
Há uns dias visitei uma propriedade rural no Alentejo que, entre outras coisas, produz vinho e que tem à frente um dos mais prestigiados e reputados enólogos portugueses. A casa produz duas gamas, uma mais corrente e outra superior, não sendo nenhuma candidata a topos ou precisiosidade. Contudo, o objectivo é fazer-se um vinho sério, rigoroso e honesto. Os objectivos pareceram-me alcançados e o preço a que são comercializados os vinhos ajustados aos produtos.
No entanto, o vinho que me marcou não foi nenhum desses dois, mas um terceiro, que não tem finalidade comercial, mas antes uma função lúdica. Esse lavrador alentejano reservou cerca de um hectare para plantar todas as castas tintas portuguesas, objectivo que ainda não alcançou, visto não ser fácil encontrar disponíveis bacelos de todas e visto ser muito grande o número cepas. No entanto, tem já muitas uvas diferentes nessa parcela.
Visto não ter um carácter comercial, este seu outro vinho ficou a cargo doutro enólogo, cujo perfil se adequou mais ao projecto. No final da visita ofereceu-me uma garrafa da sua produção especial e amadora, ressalvando que se trata dum vinho diferente e sem ambições, tratando-se apenas duma curiosidade.
Ontem abri a dita garrafa, cujo vinho resultou da colheita de 2005. É de facto um vinho curioso, mas que me deu substancialmente mais prazer do que muitos vinhos com rótulo e marca comercial. Em termos de aroma era complexo, mas vinha do copo notas verdes vegetais e alguma fruta. Na boca não desiludiu, notando-se o mesmo carácter vegetal, a fruta, algum chocolate e alguma madeira. O final era mediano. É um vinho bem interessante.
O que mais me surpreendeu é não trazer agarrado aquele paladar tipificado que graça em muitos vinhos feitos pelo Alentejo, sejam eles DOC ou Regionais Alentejanos. Este tinto vem do coração duma zona de vinhedos, tem tudo o que se pode pedir a um vinho de gama média e não é fruto da «fórmula» do sucesso.
Ainda com as devidas ressalvas, reticências, vénias, aspas e parêntesis, este vinho lembrou-me aqueles vinhos do Douro ou do Dão de vinhas velhas em que não se sabe que castas existem na parcela donde vêm as uvas. Obviamente, que se notava que as uvas deste «alentejano» não tinham a concentração das uvas de vinhas velhas, mas topava-se a complexidade que se ganha com a grande variedade de castas.
São estes agricultores que são precisos no vinho. São agricultores como estes que se candidatam a fazer grandes vinhos, porque têm gozo e paixão com o vinho e arriscam e experimentam. Uns são bem sucedidos nas maquinações e outros não. Uns conseguem sucesso e outros não. Mas ninguém lhes tira o prazer de fazer vinho, o seu vinho com o seu perfil. Eu encantei-me com este vinho de muitas castas produzido no Alentejo.
3 comentários:
O "arredondamento" dos vinhos aumentou a venda, mas tornou-os muito semelhantes entre si. (uma significativa maioria, principalmente do alentejo)
Essa pérolas, de que fala, estão obviamente inacessíveis a comum dos mortais...
Não é uma queixa, é apenas uma mera constatação!
cumprimentos!
O gosto também se alinha por modas e os produtores afinam os seus vinhos para agradar às maiorias. O resultado é uma uniformização dos padrões. Não tem mal, é o mercado a funcionar. As empresas vivem do lucro e precisam de vender.
Contudo, uniformização não significa falta de qualidade nem diferenciação significa qualidade. O que me entristece enquante enófilo é beber «o mesmo vinho» em garrafas diferentes.
Provei hoje alguns tintos interessantes. Principalmente um Lima Mayer 2004, um Syrah da Herdade do Esporão e um improvável (não levar à letra...) Vald'Arcos - Bairrada 88 Manuel Gomes Soares.
Há tanto para aprender!
Obrigado!
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