No final do século XV e começo do século XVI, durante o reinado de Dom Manuel I, os judeus foram alvo de uma forte perseguição em Portugal, muitas famílias exilaram-se e outras esconderam-se. Fingindo-se passar por cristãos, mantiveram a sua crença em segredo, como os cripto-judeus de Belmonte.
Os alimentos permitidos aos judeus designam-se por kosher, ou kasher, segundo a fonética dos judeus ibéricos, e a sua concepção tem de ser supervisionada por um rabino, que zela pelo cumprimento dos preceitos e da higiene.
Afirma o rabino Elisha Salas: «Temos de supervisionar todo o tipo de alimentos. Sabemos que somos o que comemos. Portanto, o povo judeu sempre se preocupou com a comida que come e estivemos sempre preocupados com o que diz a Torá, com o que diz a nossa lei judaica, com o que dizem os rabinos no que respeita ao processo de fabrico, e de acordo com isso temos de supervisionar o produto que estamos a fazer».
500 anos depois das perseguições, os sefarditas podem provar azeite e vinho portugueses respeitadores dos preceitos hebraicos. A Penazeites, uma empresa de Penamacor com a actividade virada para a exportação, sobretudo para o Brasil, aceitou o desafio de lançar o primeiro azeite Kasher desde há meio milénio. A comunidade judaica e a diáspora portuguesa são os clientes esperados.
A supervisão do rabino não estorva o trabalho normal da empresa, embora o armazenamento tenha diferenças face ao restante. O azeite é guardado em cubas seladas e assinadas pelo rabino, a garantia de que nada de impuro ou impróprio teve contacto com o óleo.
Mais complicado é o fabrico de vinho, uma vez que se trata de uma bebida sagrada e presente em todas as cerimónias religiosas. A partir dos momento em que as uvas se transformam em mosto, apenas as mãos dos judeus podem intervir. «O vinho desde o princípio, desde que chegam as uvas à adega até que o produto final esteja terminado e engarrafado, tem de ser feito por judeus, exclusivamente por judeus. Uma pessoa não judia não pode tocar no vinho, não pode mexer num interruptor, não pode mexer numa torneira ... nada! Não pode agarrar numa mangueira e levá-la. Não pode fazer nada, porque o produto é extremamente exigente, porque é um produto religioso. Em todos os momentos religiosos tomamos vinho e o vinho para ser permitido ao povo judeu tem de ser feito completamente por judeus em todo o processo» - diz Elisha Salas.
As perseguições religiosas levaram muitas famílias para a raia portuguesa, de Castelo de Vide a Mirandela, além da célebre Belmonte. No brasão da Covilhã, a estrela de seis pontas denuncia a presença judaica, mas a comunidade é uma minoria e fabricar vinho Kasher torna-se complicado. «A mão-de-obra para fabricar vinho é escassa em Portugal. É muito difícil conseguir pessoas para trabalhar connosco na fabricação do vinho. Isso faz com que o produto seja escasso e difícil de fabricar. A verdade é que é muito complicado, muito difícil» - refere o rabino.
Até ter sido expulsa, a família Abravanel, que se diz descendente do rei David, estava muito próxima da Coroa portuguesa. 500 anos mais tarde, um Abravanel aliou-se à Adega da Covilhã no fabrico do vinho Kasher. A Adega da Covilhã criou duas marcas, uma mais destinada ao mercado nacional, o Terras de Belmonte, e outro mais ao gosto internacional , o Sepharad, ou seja Ibéria.
Mas, os vinhos kasher da Covilhã não se destinam apenas a judeus e são MEVUSHAL, ou seja, podem ser servidos por gentios, o que implica uma pasteurização. Mas a caminho vêm garrafeiras, que só podem ser servidos por israelitas.
O Terras de Belmonte e o Sepharad são mais do que vinho, mostram o sabor de Portugal e são também a chave que está a abrir as portas da exportação à Adega da Covilhã. Depois do azeite e do vinho kasher, a comunidade Shavei Israel quer produzir mais especialidades portuguesas que ajudem quem quer seguir à risca os preceitos judaicos.
Nota: Texto adaptado da reportagem que escrevi para o programa «Da Terra Ao Mar» da RTP 2.
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