Esta coisa de ler sobre paladares e aromas causa-me alguma estranheza. O que me faz espécie são as opiniões, porque cada um tem a sua boca, memória e palavras, o que por vezes não se encaixa no meu modo de ver. Contudo, este é um dos encantos da opinião em geral, da blogosfera em particular... do convívio humano, para ser preciso.
É claro que me espanto com muitas coisas que leio. Porque me revejo. Porque me dão novas perspectivas. Porque me iluminam. Porque me fazem exclamar negativas. Gosto dessas sensações. Outro dia navegando com tempo pelo rol de blogues que tenho pendurados descobri como são diferentes as bocas. Não são melhores nem piores, são diferentes. É fascinante! Vinhos que tenho por valorosos cotados como medianos. Vinhos que dou como pirosos avaliados muito positivamente. Quem está certo? Quem está errado? Ninguém provavelmente.
Há pouco li no blogue Pingas no Copo um texto sobre a subjectividade da prova e fiquei a matutar. Matuto como aceno com a cabeça, afirmativa ou negativamente, quando leio uma opinião sobre um vinho. O texto de Pingus Vinicus é acertadíssimo quando diz ficar-se com a ideia de «que as notas de prova de um vinho estão intrinsecamente ligadas a um gosto ou tendência pessoal, por parte de um especialista». É claro! Não penso, sequer, que seja grave.
Contudo, julgo que seria importante que a nossa crítica apontasse mais os eventuais defeitos e virtuades, evidenciando-os, explorando-os mais, explicando-os melhor. Muitas vezes fico com a sensação que os descritores dos vinhos e as anotações servem para quase todos os vinhos. Ler as referências tona-se monótono e enfadono. Dois vinhos de qualidade muito diferente podem ter descrições idênticas, diferenciando-se apenas um simples adjectivo. Por mim, gostaria de saber mais. Por mim marimbo-me para os descritores, jamais comprei um vinho porque tem aroma a frutos vermelhos e na boca lembra compota. No entanto, ligo à avaliação crítica. Porém, esta é sempre reduzida. Este reparo é genérico e não destinada a nenhum escriba em particular. Não aponto desconhecimento da matéria - antes pelo contrário, os nossos críticos sabem de vinho.
Voltando atrás e ao gosto dos outros. Não me choca que a crítica seja influenciada pelo gosto pessoal, até compreendo. O que não entendo é a escravatura face à crítica, seja de quem compra, seja de quem produz. Ou seja, que se sobrevalorize a opinião de alguém face a do próprio ou à auto-confiança. Fico sempre sem saber o que dizer quando um produtor se mostra desolado quando foi publicada uma nota crítica dum vinho seu. Não percebo, porque é só uma opinião, não é lei nem uma sentença. Fiquei atordoado quando um dia, neste blogue, um leitor anónimo surgiu pressionando para que alterasse a nota que dei a um vinho, por causa da opinião dada por um crítico.
É esse empolamento do papel da crítica que faz com que nos mercados mais sofisticados e mais exigentes existam produtores que façam um vinho para agradar a um determinado crítico, porque sabem que a sua opinião vai traduzir-se em vendas.
Julgo que o consumo em excesso da opinião dos críticos desfoca a visão essencial: o gosto pessoal. Quem vive obcecado a pensar no que diz a crítica acaba por beber do que não gosta, castrando-se e mentindo, e a falar mais pela boca dos outros. Para dar um exemplo: uma conhecida minha confidenciou-me que aprecia um vinho, mas que tem vergonha de o dizer, por estar mal cotado pela crítica, pois levou ao gozo de amigos enófilos. Usando uma expressão fabulástica (fabulosa + fantástica), que deve de servir de mandamento, que aprendi no blogue Vinho para Todos: «Não te tornarás num enochato»! Aquele que vive da opinião da crítica subjuganto da sua torna-se, forçosamente, num enochato!
5 comentários:
...uma conhecida minha confidenciou-me que aprecia um vinho, mas que tem vergonha de o dizer, por estar mal cotado pela crítica, pois levou ao gozo de amigos enófilos."
João, sofro do mesmo mal. No entanto, comecei a libertar-me de algumas camisas de forças, que nos querem enfiar.
Disse-me um dia José Bento dos Santos que o melhor vinho é aquele que sabe melhor numa determinada circunstância. Contudo, há uns enochatos que só olham para a referência da crítica ou para o rótulo ou para o preço. Cansei-me de melgar a cabeça à conhecida para assumir que gostava do Casal Garcia. Se ela gosta quem é que a pode criticar? Acontece o mesmo com o Mateus Rosé... não importa qual o vinho. Há marcas sobre as quais recai preconceito e torna-se tabu dizer que se gosta. Porquê? porque a crítica diz mal? porque a marca não dá status? porque é barato?
Para mim, essencialmente um questão de status. Observo, com muita atenção, em muitas garrafeiras da nossa praça, o modo como alguns consumidores compram os vinhos. Rótulo e preço (alto) são fundamentais para eles...
Essa definição de enochatos é brilhante e define muito bem a prática de muito boa gente.
Pois é verdade, gostos não se discute... não é o que diz o ditado (se é ditado?)!!!
E nós que temos blogs que falam de vinhos e sobre vinhos, temos todos os nossos gostos que são nossos!!!! Por isso não posso nem obrigar nem condenar alguem de gostar do vinho X ou Y, temos é que tentar apreciar a sua opinião e no final dizer e porque não? Ou então aqui está uma opinião diferente da minha, afinal felizmente ninguém é igual a ninguém.
Pois eu também concordo com o que o João e demais confrades têm escrito.
Para mim um bom vinho é aquele que liga na perfeição com determinada comida. Aliás (ainda na minha opinião), saber de vinhos é, antes de mais, saber escolher o melhor vinho para cada refeição. Pode muito bem ser Casal Garcia com comida oriental, por exemplo...
Um abraço a todos e votos de feliz natal,
N.
PS - "Enochatos" é um óptimo conceito a desenvolver.
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