Este ano surgiu um pequeno objecto que quer revolucionar o mundo dos vinhos: a clef du vin. O apetrecho garante adiantar os ponteiros do relógio... ou melhor, promete adiantar o tempo.
Mergulha-se a ponta metálica no vinho e este envelhece. Por cada segundo corresponde um período de tempo, pelo que o seu uso requer o auxílio dum relógio, perícia e conhecimento da regra de três simples. Em alguns segundos obtém-se vários anos de envelhecimento. É magia!
A coisa tem o tamanho dum porta-chaves e ar de coisa-nenhuma. É fruto do trabalho dum enólogo e dum físico. Suponho que levaram muitas horas a pesquisar. Porém acho-o um objecto pouco mais do que inútil!
Não o considero inútil, pois pode alguém entender dar-lhe uso e ver benefícios na sua existência.
Por mim, dou de barato que é eficiente e que os segundos em que se mergulha no vinho correspondem na exactidão aos anos que teria se estes tivessem passado. O que para mim é irritante - não quero dizer estúpido para não ofender ninguém - é o princípio subjacente. Ninguém parece estar disposto a esperar e agora até já se pode comprar a velhice.
Antigamente, os vinhos faziam-se esperar. A tecnologia mudou os vinhos e estes hoje bebem-se mais novos - nada a opor. O gosto também mudou - nada a opor. A vida hoje é mais acelerada e há menos necessidade e opção para guardar vinho, e os apartamentos não são os locais ideais para o guardar - paciência, são contigências da vida. Contudo, isso não faz com que se torne útil ou bonito comprar a velhice. Desde logo porque há soluções de guarda dum vinho, há estabelecimentos especializados que o podem fazer e, sobretudo, há uma poesia no esperar.
Quando bebo um vinho com idade aprecio muito mais do que o vinho. Há a delicadeza frágil dos sabores e aromas, mas há o respeito da data, a memória da garrafa e do tempo que ela levou até chegar ao momento da consagração. Quantas vezes uma garrafa não evoca pessoas já partidas? Há a sujidade e o envelhecimento do rótulo. Há o encanto do saber esperar.
Nada disso pode ser transmitido pela Clef du Vin. O objecto é apenas um instrumento para o consumo, um reflexo da pressa e da voragem dos dias. Ora, não é assim, com pressa e precipitação, que gosto de beber vinho. O meu vinho vai esperar por mim.
Nota: Foto roubada no blog amigo da Garrafeira de Campo de Ourique.
2 comentários:
Caro amigo, concordo em tudo com a tua critica a este mimo de objecto. Como é evidente o vinho tem o seu tempo e esse tempo pode ou não fazer-lhe bem, deixem-me ser eu a esperar e a tirar esse prazer de uma garrafa, mesmo quando já está estragada.
Apesar de tudo gostava de experimentar este "mimo".
Não poderia concordar mais, a idade de um vinho não é só o seu sabor mas as vidas que lhe passaram. O vinho vale mais pelo prazer da espera e pela surpresa adjacente. Queria também referir que considero de certa forma "perigoso" o aparecimento de tal tecnologia pois talvez venha a servir para ludibriar ainda mais o comum consumidor.
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