Ontem fiquei a suar em bica com a ansiedade, a correria pela cozinha e o calor dos fogos. Neste fingimento de Primavera e ameaço de Verão resolvi dar um jantar de espelhos, ou seja enganos às estações, que, além de tudo, andam fugidias. Pois foi de frescos e de quentes, tanto nos bebentes como nos trincantes.
Duas belas e sábias amigas (a Suspinha e a Nanda) vieram cá jantar e sem cerimónia ornamentei a mesa, mas preocupei-me com a ementa, tal é a reputação de suas barrigas e a exigência e a sabedoria dos apetites. Fui às compras sem pressas e atarefei-me nas lides da cozinha, o que sempre me rejuvenesce. Tratadas as tarefas foi tempo de jantar.
Veio primeiro, antes de tudo, um branco Monte da Peceguina 2005 (regional alentejano) para afugentar os calores, distrair os convidados e reanimar o cozinheiro enquanto a comida se aprontava. Estava escorreito o vinho, bem feito, mas continuo a lamentar a sorte dos brancos vindos do Alentejo, por causa do açúcar residual a tapar tudo o resto... enjoam-me.
A estreia à mesa foi um gaspacho a puxar ao vinagre para que maior fosse o refresco, acompanhado com atum, em salada de cebola e ovo para cortar o peixum. Isto serviu-se com um Muros Antigos Alvarinho 2005 (Vinho Verde - sub-região de Monção) que não podia estar mais fresco, seivoso e apetecível.
Depois vieram cogumelos portobello, que são quase tão grandes como meia laranja, recheados com foi-gras e chévre gratinados, justamente acompanhados com Aureus de Sauternes 2003 (Sauternes). Emborna não seja o Sauternes que mais me impressionou, o vinho escoltou muito bem os fungos e fez eleger esta como a combinação gastronómica da noite.
O terceiro prato ligou-se mais à quase invernia dos últimos dias e foi talvez um pouco quente e não fosse estarmos tão saturados e teria sido degustado em maior quantidade. A saber: carne de barrosã em cubinhos frita em azeite com morcela de Trancoso e cogumelos seta fritos em azeite. À parte fritaram-se uns cogumelos (vulgares) laminados com presunto de pato, temperos e colorantes do arroz que acompanhou a carne. Esta confecção foi apresentada com Emergente Crianza 2002 (Navarra), um vinho que não deslumbrando criou vontade de o provar mais vezes e sobretudo de o testar daqui por um par de anos.
Com este vinho com toque de frutos vermelhos avançou-se improvisando para umas cerejas do Fundão. Não sei se alguém reparou, mas este ano as cerejas andam divinais!... A ligação com o vinho foi estupenda.
Quando se julgava não poder mais veio a estocada final, com alguma malvadez. Bombons All Dark Selection da Godiva e H.M. Borges Colheita 1995 Boal (Vinho da Madeira). Este foi o melhor vinho da noite e os chocolates estavam num ponto de pecado que fazem os comensais agora precisar de abstinência, suplício santo e ginásio.
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