quarta-feira, agosto 27, 2014

Azeite Oliveira Ramos Premium Virgem Extra + Quinta da Lagoalva Azeite Virgem Extra

Nasci numa família com ligações ao Alentejo. Por isso, os sabores daquela província, que se estende por quatro distritos, são-me familiares. Os meus primos têm oliveiras e as azeitonas iam para um bom lagar, com a certeza de que o óleo que levavam provinha das suas azeitonas.
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Muito bom azeite faziam os meus primos. A revolução nos lagares – necessária, devido à poluição das águas ruças – causou o encerramento dalgumas unidades de transformação, entre as quais o lagar onde os meus primos mandavam fazer azeite.
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A família urbanizou-se e o «possível» é num lagar em que vai tudo ao molho, entregam-se X toneladas ou quilogramas de azeitonas e recebe-se Y de azeite. Pois, o belo azeite dos primos foi-se...
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A minha geração tem os pais oriundos do campo. Todos com parentela com uma leira e quatro ou cinco oliveiras. O cheiro – às vezes fedor – desses azeites fazia-me confusão. O que era aquilo? Hoje sei o que é, na infância e juventude não percebia.
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Coincidentemente, nenhum dos camaradinhas tinha família no Alentejo, pelo que a minha justificação provável é que se tratava de regionalismo. O primeiro azeite comercial pelo qual me apaixonei era (é) do Alentejo e «tal e qual» o dos meus primos... a teoria batia certo, as azeitonas do Alentejo dão melhor azeite.
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Mentira – percebi depois. E lembro-me do prazer que me deu o primeiro azeite bom que não era do Alentejo – da Cooperativa de Freixo de Numão, colheita de 2004 e que vencera um prémio no Concurso Mario Solinas, do Conselho Oleícola Internacional, as olimpíadas.
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Felizmente, hoje há muitos produtores apostados na qualidade, desde os azeites de ourivesaria aos mais industriais. Quem quiser comprar um bom azeite encontra-o com facilidade – no vinho é muitíssimo mais notório, mas a revolução foi anterior.
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Tenho dois azeites para comentar há meses – perdoem-me os olivicultores pela demora na publicação da crónica – que são exemplos do que de melhor se faz no país. Tal como no vinho, não faço sentenças acerca da relação entre a qualidade e o preço. Penso que são acessíveis às bolsas da classe média (a que vai resistindo) e às possibilidades financeiras (via prioridades) dos gastrónomos.
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Tenho muito mais dificuldade em escrever sobre azeite do que sobre vinho, embora ambos sejam sagrados nas culturas mediterrânicas. A dificuldade que encontro – preconceito ou incompetência – é o azeite ser «apenas» sumo de azeitona e o vinho ser mais complexo.
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Isso é factual, mas classificar dessa forma tão redutora seria até falta de educação.
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A qualidade ou o seu reconhecimento não se escreve a metro. Tudo na vida tem um nascimento, um tempo, uma história, um estatuto... a ideia de que o azeite (ou outra coisa) do produtor pequenino é que é bom é tão verdade como mentira. Tal como se aplica ao grande produtor.
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Tal como as azeitonas virem dum olival velho e pouco produtivo ou dum moderno e cultivado em sebe. Muito não significa mau... repare-se no exemplo dos vinhos de Champanhe. Casas importantes comercializam centenas de milhares de garrafas de espumante de grande qualidade. O Ti Zé faz 30 litros de azeite e o sumo fede.
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Hoje já está com a alguma divulgação a função que cada azeite desempenha na comida, se para fritos ou se para temperos em cru.
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Qualidade, raridade e reputação fazem preços – criam mitos. Não entrando na questão dos preços, peço que atentem ao valor pedido por uma garrafinha de azeite da Quinta do Noval, onde o negócio é vinho.
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Os dois azeites que justificam este texto têm em comum serem produtos de empresas agrícolas. Digo empresas, porque são geridas de forma muito profissional, têm uma dimensão considerável no nosso mundo rural, e sabem bem o que fazem.
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O primeiro vem de Estremoz e fez-se com azeitonas das cultivares cobrançosa, galega e picual – árvores com raízes enfiadas em solo de xisto. Ao contrário do que era (é) hábito, estes frutos foram colhidos cedo, tendo em atenção à frescura e características organolépticas pretendidas.
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O azeite Oliveira Ramos Premium Virgem Extra 2013 é a prova que numa mesma província há diferenças. Não lhe reconheço os aroma e sabor do azeite dos meus primos. Encontro uma frescura vegetal e um certo picante. O produtor é João Portugal Ramos.
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O outro azeite é também delicioso. Foi produzido a partir de azeitonas das cultivares frantoio e moraiolo. O produtor é a Quinta da Lagoalva de Cima, junto a Alpiarça. Ora, que bizarria é esta de fazer azeite com variedades italianas?
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A Quinta da Lagoalva de Cima pertence à família dos duques de Palmela e, através do ramo Holstein, está ligada à Casa Real da Dinamarca. Em Itália, os Holstein tinham propriedades e de lá, do Piemonte, trouxeram oliveiras e uma tinta com um tom verde lindíssimo, que se mantém como tradição familiar nas paredes das casas.
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Estas oliveiras, com mais de 200 anos, dão um azeite diferente... como explicar?! São apanhadas cedo, ao modo italiano, e o seu sumo é muito fresco e aromático, um embaixador do Piemonte e da Toscânia.
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No programa «Da Terra Ao Mar», da RTP 2, visitei a Quinta da Lagoalva de Cima em reportagem acerca do azeite destas duas variedades italianas. O embate foi histórico – quem viu o início entrevista não se esquece da resposta à primeira pergunta que coloquei a Manuel Campilho, que é dono e patrão da Quinta da Lagoalva de Cima. Fiquei amigo.

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