quarta-feira, outubro 16, 2013

Kopke 375

Lisboa, cerca das 18h00, uma nanomultidão aguarda a revelação duma nova jóia da Kopke. Ao fundo da sala dum bar decadente, anacrónico e feio está colocada a cobiçada gema.
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O pedestal deixa brilhar a garrafa de Porto da edição comemorativa dos 375 anos da Kopke, casa criada pelos alemães Cristiano e Nicolau Kopke. É a mais antiga firma no negócio e é natural que tenha preciosidades na oficina. Uma delas é a que foi engarrafada para a celebração.
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Da colheita de 1940 restam quatro cascos (se ouvi bem) e os enólogos provaram-nas até encontrarem a certa. O ano colheita é simbólico, pois foi aí que se reconheceu oficialmente a empresa como a decana.
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Este Porto Colheita não foi refrescado com vinho doutros anos, mas conheceu um estágio de acerto e rejuvenescimento em barricas avinhadas, embora não jovens.
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O vinho mostra uma enorme frescura e ímpeto. Tem raça, estilo e personalidade. Tem vida e revela os anos. Uma acidez para lá de Marraquexe, uma untuosidade além de Bagdade um final quase em Osaca. Complexo e equilibrado, não efusivo no nariz e com tudo o que é suposto ter num tawny tão antigo, e não é pouco.
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A qualidade, a antiguidade, a raridade e o simbolismo deste vinho fazem com que não possa ser barato. Vale o preço? Para mim, está barato. Há quem não entenda. Infelizmente... diria inf€lismente não posso satisfazer o meu desejo.
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Ensaiei um roubo. Nada melhor que ter muita gente para subtrair o diamante. Discreto e sorrateiro, aproximei-me do pedestal. Avancei decidido... ninguém me levou a sério!
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E eu que gosto tanto de sonhar acordado...
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Queria ser um herói e não um anti-herói. Não vos posso dar a beber Kopke 375, mas posso ilustrar-vos o meu estado de espírito. Estou entre um e outro.
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Origem: Vinho do Porto
Produtor: Kopke
Nota: 10/10
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Nota: Vídeos das séries televisivas «Missão Impossível» e «Olho Vivo».

Épico... no Flor de Lis

Abençoado almoço! Quem me tem lido sabe que ando afastado da escrita de comida. Várias são as razões, mas desta não escapei. Não quero exagerar, mas penso que esta refeição me vai ficar na memória e por boas razões.
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Bem sei que há sempre mentes laboriosas a traçar conjecturas, maquinações e teorias conspirativas. Para que possam mais facilmente atirar pedras, tenho a dizer que fui convidado. Tenho de referir isso, porque não vou poupar elogios. Quem quer mal arranja sempre pretexto, mas assim fica tudo clarinho. Não me sinto diminuído pelo convite nem devo nada, mas o conhecimento do mundo faz-me iniciar a crónica com esta ressalva.
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O sítio chama-se Flor de Lis, é o restaurante de referência do hotel Epic Sana, uma unidade de cinco estrelas, inaugurada em Março, e situada nas Amoreiras (Lisboa). À frente dos tachos está o jovem francês Patrick Lefeuvre, que sabiamente foi recrutado ao Ritz, onde era subchefe.
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Tenho muitas palavras para elogiar a refeição que me proporcionaram. Duas são: Estrela Michelin. Não me parece exagero, tendo em consideração a imaginação, consistência criativa, qualidade técnica e requinte.
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Embora afirme que é de desconfiar dum cozinheiro magro, penso que neste se pode confiar. O mestre recorre a produtos portugueses, reconhecíveis, mas não lhes dá uma voltinha a fingir que a cozinha é muito tuga, nem os manipula de modo a que sejam irreconhecíveis ou indiferentes. Não é a armar ao pingarelho, é mesmo elegante. A «estrelinha» não depende de mim, nem tenho um milésimo de voto na matéria.
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Considero haver duas minudências a criticar e um pormaior. As miudezas foram uma disfuncional faca para a manteiga e o material do tampo da mesa. Este último aspecto é um bocadinho irritante... os talheres fartam-se de dançar, parecem gaiatos. A mesa é bonita e colocar-lhe uma toalha seria ofender-lhe a estética, mas não é muito funcional.
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O aspecto grave não tem a ver com a cozinha, mas com o sanitário. O sabonete das mãos tem um cheiro, impositivo, artificial e persistente, que destrói qualquer aroma posto na mesa. Este aspecto tem mesmo de ser melhorado, caso a direcção da cadeia Sana queira apostar na gastronomia. Não basta ter um bom chefe, é preciso não lhe estragar o trabalho.
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Procurei, na página de internet do Epic Sana Lisboa, referências ao chefe e ao escanção. Admito poder ter visto mal, mas penso que seria positivo tirar partido mediático destes profissionais.
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O pretexto da visita foi a nova carta de Outono e Inverno. A oferta é vasta, mas não comentarei o que não provei, pelo que os curiosos devem espiolhar o sítio do hotel na internet (julgo que está lá... se não está, devia estar).
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As propostas de cozinha são criativas, de autor artista, com referências a várias coordenadas, mas há igualmente sugestões portuguesas. Se faz falta boa mesa com receitas nossas, também merecemos mundo. Cosmopolita não é apenas cuspir fogo no Chiado e ser estrangeiro no Martim Moniz. Lisboa precisa muito de imaginação, de artistas e não de artífices.
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Apresentaram-me o menu de degustação, no valor de 50 euros, e que consiste em quatro empratamentos, fora o vinho. Dois néctares recomendados pelo escanção custam 15 euros e quatro vinhos 39 moedas. Pelos números, compensa pedir duas vezes dois vinhos... não faz sentido, digo eu, cujo negócio é a escrita.
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Antes das decisões, a casa coloca três manteigas, cada qual melhor que a anterior. Isto que digo tem valor, pois não sou grande amante de natas batidas. Como quando esganado ou quando visualmente troco os olhos pelo nariz.
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Primeiro tiro: «Carpaccio de pato e terrina de foie gras caramelizada, milho e baunilha». Simplesmente delicioso. O fígado estava delicadíssimo, diria sensual. Desfez-se na boca, guloso. O caramelizado com a textura, consistência e espessura certas. Nota máxima (não tenho, mas faz de conta).
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O segundo tiro do menu de degustação foi diferente do habitual, visto tratar-se de peixe. O meu segundo tiro substituiu o «Filete de cherne corado e ravioli de caldeirada à portuguesa». Deve ser delicioso... tenho pena. Quem não sabe, fica a saber. Não como peixe, devido a intolerância olfactiva. É de família! E se acham estranho, pensem naquelas pessoas que não aturam o aroma (delicioso – diverso, como o do pescado) do queijo. É assim a vida, calhou-me a mim.
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Segundo tiro: «Salada de legumes, queijo Manchego e vinagrete de kumuat». Diria vinagreta, à portuguesa, mas o nome do prato é esse... blá, blá, blá... mas isso não interessa nada, como diria a impagável Teresa Guilherme. Legumes gostosos, sem texturas disfarçadas, com pouco tempero e suave, o que me parece excelente para não danificar os produtos. Julgo que me disseram que eram de agricultura biológica... ponto a averiguar. Sim, é importante!
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Terceiro tiro: «Cabrito assado em alecrim, aipo e pimenta sarawak e legumes biológicos». Uau! Bolas! Uau, mesmo! Apesar de ter falado com o chefe, não perguntei se era cabrito de raça autóctone. Mais uma vez delicado, sem artifícios. E só boa matéria-prima permite resultados para boa memória. Quem tem lembrança, ou avós antigas, conheceu aqueles cozinhados de horas de lume brando, numa lareira ou num fogão a lenha. Tempo demasiado para a pressa de hoje, sendo que depressa e bem, não há quem. Pois, essas comidas de antanho tinham o tempo certo, para tudo. Este cabrito esteve ao fogo suave por 12 horas. Tão simples que parece fácil. Tão simples, com ingredientes tão comuns. É sábio não acrescentar o que é supérfluo.
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Quarto tiro: «Cremoso de avelã, pipoca e gelado de amendoim». Para descrição, parece uma invenção de pré-adolescente. Na casa chamam-lhe Snikers, como o chocolate (!). Está bem para referência em prosa e para brincar com o gastrónomo que se senta à mesa, mas o mimo não merece essa comparação. O que tenho a dizer? Que é muito feliz. Bela ideia e, mais uma vez, boa concretização. Todavia, tenho a dizer que foi a iguaria que menos me entusiasmou nesta refeição.
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Não apontei as datas de colheita dos vinhos, nem as especificidades de referência, mas trataram-se de Herdade dos Grous e Quinta da Giesta. Ambos tintos, portaram-se bem. Para a sobremesa veio um Messias Tawny Reserve. Percebo a ideia, mas não concordo. A presença de chocolate de leite apeteceu-me mais com um LBV (que o escanção trouxe à minha sugestão).
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Por que digo que merece a estrelinha dos pneus? Dou duas razões: a qualidade da refeição e experiências inferiores em estrelados. É cedo, muito cedo para sonhos. Gostava que a bordassem na jaleca de Patrick Lefeuvre.
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Funcionamento: Aberto todos os dias da semana.
Horário: 7h00 às 10h00 – ao fim-de-semana até às 11h00 – das 12h30 às 15h00 – das 19h00 às 23h00.
Menu de degustação: 50 euros + vinho
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Nota: Esta refeição foi feita a convite do restaurante.