quinta-feira, setembro 13, 2012

Vinhos Monte Cruz

Horas e momentos. Um dia, na mercearia de sempre, cruzei-me com uma senhora, prima deste produtor. A Dona São, proprietária da loja, já não sei bem porquê, disse-lhe que eu curtia vinhos. Pois a tal outra senhora, a cliente, elucidou-me quanto ao seu sangue: prima de vinhateiro alentejano. Disse-me mais: um dia trar-me-ia umas garrafas do parente.
.
Assim foi: um dia tinha uma caixa com as diferentes referências do produtor Monte Cruz. Há designações várias, mas o que fixei foi o «Tem Avondo», termo que em alentejano quer dizer «basta», «tem que baste», «suficiente», «abunda», etc…   pode parecer estranho, mas abundância vem do mesmo.
.
Lembro-me bem do «tem avonde», com «E», como se usa em Castro Verde. Mas com «E» ou com «O» vai dar ao mesmo. Em alentejano nos entendemos. E com esta expressão se pode resumir o carácter ou identidade duma região. Tem lá tudo! Basta saber alentejano.
.
Com tão boa marca, supus que este(s) vinho seria fácil de encontrar na internet. Engano! Saber informações não tem que abunde. Aliás, é impressionante a abundância de produtores que vive nos anos oitenta do século vinte. É preciso abrir a pestana… ou então vive-se bem, longe do mercado, dos enófilos e dos consumidores em geral.
.
As garrafas chegaram, infelizmente algumas por identificar. Posso imaginar a marca, mas trata-se de «suponhamos». Um tinto sem madeira, um Sy TN (supondo syrah e touriga nacional), um rosé, Monte do Outeiro Branco, Monte do Outeiro Tinto e Tem Avondo Tinto.
.
Avaliados, a impressão é positiva, mas sem transcendência ou luz. Qualidade regular, vinhos bem feitos, mas sem história ou estória. O nome prometia… Desconhecendo os preços, fiquei com a impressão que os Monte do Outeiro terão um preço mais elevado, embora a minha costela de marketeer me diga que a marca forte seria o «Tem Avondo». De qualquer dos modos, a qualidade de uns não abanou a qualidade de outros. Ou seja, não senti um salto qualitativo… basicamente, duas marcas, uma só percepção.
.
Alguns dos vinhos não dão para indicar a marca, visto terem vindo com meras indicações manuais. A situação é a mesma quanto à designação de origem. Nos provados, nenhum leva nota negativa, mas também não supera o óbvio.
.
O branco, Monte do Outeiro, feito com a casta antão vaz, não mexeu comigo. Não que o vinho seja mau, mas porque embirro com a casta. Nada a fazer: não gosto e nem percebo qual o interesse.
.
O Monte do Outeiro Tinto 2010 satisfaz. Não o poria à entrada dum jantar, mas bate-se com denodo. Não deslumbra nem descontenta. Fruta vermelha madura, notas levemente fumadas e final mediano.
.
O rosé manteve-se na banalidade. Sim, positivo, mas sem rasgo ou grande interesse. Morango, framboesa no nariz, mas pouca acidez e final curto.
.
O «Sy» sem madeira 2011, que desconfio ser um syrah… lamento, mas não vi qualquer interesse. É bem feito, mas e então? Gosto de madeira no vinho (qb)… e este, soube-me a pouco.
.
O «Sy Tn» 2010, suponho syrah e touriga nacional, teve um ano em estágio em madeira e o resultado é bem melhor que o anterior. Sem grandezas nem abusos, mostra alguma compota e chocolate. Na boca não fere nem apaixona.
.
O Tem Avondo Tinto 2010 não pôde ser avaliado, visto a amostra estar contaminada com o chamado aroma e sabor a rolha (TCA).
.
.
.
Monte do Outeiro Branco 2011
.
Origem: Regional Alentejano
Produtor: Monte Cruz
Nota: 4/10
.
.
Monte do Outeiro Tinto 2010
.
Origem: Regional Alentejano
Produtor; Monte Cruz
Nota: 4/10
.
.
«Rosé» 2011
.
Origem: ?
Produtor: Monte Cruz
Nota: 3,5/10
.
.
«Sy» sem madeira 2011
.
Origem: ?
Produtor: Monte Cruz
Nota: 3/10
.
.
«Sy Tn» 2010
Origem: ?
Produtor: Monte Cruz
Nota: 4,5/10
.
.
Tem Avondo Tinto 2010
Origem: Regional Alentejano
Produtor: Monte Cruz
Nota: X/10
.
.
.
Nota: Estes vinhos foram enviados para prova pelo produtor.

sábado, setembro 08, 2012

Bétula 2011

O Bétula 2011 está no top do que de melhor bebi neste Verão. Sinceramente, a edição de 2011 foi uma revelação. Os anteriores já provados tiveram boas notas, nomeadamente a colheita de 2010, que mereceu 7,5 pontos. Este bateu-o.
.
Bateu-o porquê? Porque revelou uma frescura, uma vivacidade, uma gulodice tranquila, uma companhia no prato, um regalo na conversa e sorrisos como poucos. A colheita de 2011 assumiu-se bem mais complexa do que as anteriores, mais viva, com carácter sereno e felino, com seu passo galante. Nada de tropicalismos madurinhos, sem pêssego nem mangas maduras, sem fumados excessivos. Não! Antes acidez deslumbrante, ananás doce (única tropicalidade), lima, limão, salsa, cebolinho, rocha… Primavera, com Sol e vento.
.
Como habitualmente, o produtor enviou duas garrafas, o que permite melhor aferição. É que embora subjectiva, a minha opinião (como todas, mesmo as «científicas») pôde beneficiar com a dupla.
.
Perante a festa da primeira prova, decidi levar o vinho a um outro limite. Verti-o em copo bojudo, largo, balão, muito visto para tourigas nacionais. Uau! Um pulo de mineralidade e uma frescura herbácea… menos ananás, mais lima.
.
Esta referência merece destaque: muitas vezes bons vinhos são meros trabalhos técnicos, este mostra bem a identidade do ano. O ano passado foi elogiado e este branco prova-o. Francisco Montenegro, o enólogo, merece ovação de pé, e o produtor umas grandes palmadas nas costas. Boa malha!
.
.
.
Origem: Regional Duriense
Produtor: Quinta do Torgal
Nota: 8/10
.
Nota 1: Este vinho foi enviado para prova pelo produtor.
.
Nota 2: E desta vez não impliquei com o viognier e o sauvignon blanc no Douro...

quinta-feira, setembro 06, 2012

Meu Deus, o que fazer com estes vinhos? - ou Anima L8 e Cavalo Maluco 2009





















Arte e vinho são duas palavras que se casam. Tantas vezes se dizem que a verdade se esconde, tingindo a banalidade. Existe, e quando é salta aos sentidos e deixa na alma o inconfundível toque de Deus.
.
Deus criou o homem, que criou o vinho. Deus tornou o vinho sagrado. Já o era, antes de Deus ser só um e se nomear apenas com o artigo definido no singular. O vinho celebra e evoca, atenua a dor e aviva a vitória, aquece a esperança, espelha a alma, a essência e o carácter.
.
Perfeito é Deus, tudo o mais é procura e conquista. Estes dois vinhos são perfeitos; na dimensão do homem, dos seus momentos e suas contingências. São momentaneamente perfeitos, porque o vinho é uma arte do efémero. Como qualquer criação, são eternas as suas memórias escrita e falada.
.
Gosto da tradição e da transgressão. Gosto que o sempre exista para sempre e que haja sempre quem queira inventar além do sempre, para sempre. Gosto dos artistas e dos oficiantes, gosto dos sábios e dos puros. Gosto dos académicos e dos iconoclastas. De todos, mas só dos verdadeiros.
.
José Mota Capitão, enquanto produtor, pode ser isso e o seu oposto. Não privo, mas sei da verdade que transmite pelo olhar e palavras quando fala de vinho e dos seus vinhos. Como um criador, das artes ortodoxas, o vinho, a sua arte, é feito para si e não para o público. Percebe-se que faz os vinhos que quer e quer o que gosta.
.
Repito e acrescento: Gosto dos académicos e dos iconoclastas. Mas só dos verdadeiros. A verdade dos vinhos de José Mota Capitão é o seu maior elogio e trunfo. A honestidade é um tesouro, mérito na vida e na arte.
.
Mota Capitão não faz petit verdot porque está na moda, porque dá sainete, porque vende bem… pode isso tudo, mas faz petit verdot porque gosta de petit verdot. Cabernet sauvignon é outro gosto deste vigneron.
.
Há umas semanas, a propósito duma reportagem para a revista Vida Rural sobre o cultivo de arroz, que também produz, provei as novas edições das suas mais procuradas criações: Anima e Cavalo Maluco, o L8 (2008) e o 2009, respectivamente. Face a colheitas anteriores, em alta, os dois vinhos.
.
Dizia-me Mota Capitão que está a aproximar-se dos italianos, a deslindar cada vez mais tarde os seus sangiovese. O mais novo tem quatro anos e o vigneron já fala na hipótese de cinco anos para uma colheita próxima.
.
A tesouraria empurra muitos vinhos para a rua ainda em criança, em vez de debutarem na mocidade. Ao ver as vinhas a evoluir com os anos, fica maior a vontade de fazer bem. Pois que os enófilos aguardem a revelação para a maioridade dum vinho.
.
O Anima L8 está de se babar. Qualquer momento serve, é perfeito. O Cavalo Maluco é «um vinho muito bêbado», como definiu um amigo de Mota Capitão.
.
O Anima L8 revela-se no nariz com café, especiarias (cravinho suave, pimenta branca ligeira), notas herbáceas, palha, terra, fumo ténue. Na boca é denso, tem uns taninos rugosos que enchem a boca, mas não a brutalizam, vê-se que será um senhor à mesa de quem o souber e conseguir guardar, tem potência e frescura, e um final levado da breca.
.
É mais do que sabido que Mota Capitão queria ser índio quando era miúdo e brincava ao velho Oeste. Queria ser fora do todo, para ser diferente no todo e ser feliz, podendo livremente escolher o que queria e quem queria. Cavalo Maluco, o chefe sioux do povo Lacota… ilustre e magnífico. Que nome melhor para se transmitir numa obra?
.

O Cavalo Maluco 2009… este é, esta edição, mais um que me deixa doido. O seu lote é composto por 60% de touriga franca, 30% de touriga nacional e 10% de petit verdot e é maravilhoso. Num primeiro embate um apetitoso e rústico azeite suave… deixado restabelecer-se do despejo no copo, o vinho assinala chocolate preto e fumo ligeiro. Adiante vêm aromas de amoras maduras, alguns tons herbáceos. O correr dos minutos confere-lhe anis, caramelo e azeitona. E já no fim, chocolate de leite e finura de café. Na boca tem potência e acidez, uns taninos de seda, e se tal se diz tantas vezes que, para se distinguir das outras, digo que esta veio pela Rota desde a China meridional. O final é longuíssimo.
.
Nunca fiz sexo tântrico, mas consta que concede orgasmos longuíssimos. Este dá.
.
.
.
Anima L8
.
Origem: Vinho de Mesa
Produtor: Herdade do Portocarro
Nota: 9/10
.
.
Cavalo Maluco 2009
.
Origem: Regional Terras do Sado
Produtor: Herdade do Portocarro
Nota: 9,5/10
.
.
.
Vinho, mesa, touriga-franca, arte, uma amiga, Vale Meão e Foz de Arouce Vinhas Velhas de Santa Maria… interesses partilhados já descobertos. Um abraço JMC.
.
Pinturas de Adam Neate, Divid Ligare e Michael Naples,

segunda-feira, setembro 03, 2012

Real Companhia Velha celebra 256 anos

A Real Companhia Velha (RCV) celebra o seu 256.º aniversário a 10 de Setembro, data em que vai promover um jantar na Casa Redonda da Quinta das Carvalhas, junto ao Pinhão, informou a empresa.
Este evento surge integrado na iniciativa «10 Anos | 10 Quintas | 10 Jantares | 10 Vinhos» (www.10jantares10vinhos.pt), promovida pela Confraria de Enófilos da Região Demarcada do Douro para celebrar os dez anos do Douro como Património Mundial da Humanidade, classificação atribuída pela UNESCO a 14 de Dezembro de 2001.
Do jantar constam oito vinhos desta empresa, nomeadamente referências de topo de gama.
.
O jantar está marcado para as 19h30 e tem um custo de 27,50 euros por pessoa. A reserva é obrigatória e deve ser feita até dia 7 de Setembro para os seguintes contactos: Quinta das Carvalhas (turismorealcompanhiavelha@gmail.com) 254 738 050, Confraria dos Enófilos do Douro (enofilos.douro@gmail.com) 92 796 61 87 ou 3efs (info@3efs.pt) 91 961 61 41.